Imagem: Brô MC’s – RAP Guarani. Imagem de Last FM.
Edição: Samantha Lêdo
18/11/2016
"Reconhecido o direito à terra como direito fundamental dos povos indígenas, o passo seguinte é analisar se o mesmo está sendo respeitado, conforme os preceitos constitucionalmente estabelecidos. Assim como justiça tardia não faz justiça, ação pública desidiosa também não atende aos anseios das pessoas, no caso em estudo, dos indígenas. Não basta haver a lei, pois, sem ações, a letra da norma continuará fria e silenciosa. Não basta o reconhecimento de um direito, se não houver políticas públicas que viabilizem o seu exercício. Infelizmente é essa realidade diária das populações indígenas no Brasil. As manifestações desses povos têm se tornado uma matéria repetitiva nos noticiários nacionais. Por quê? Nessa tentativa de esclarecer os fatos será iniciado o próximo tópico com a apresentação da questão fundiária dos povos indígenas que habitam o Médio e Baixo Rio Negro no Estado do Amazonas, a qual reflete a situação da maioria das aldeias espalhadas pelo nosso país."
18/11/2016
"Reconhecido o direito à terra como direito fundamental dos povos indígenas, o passo seguinte é analisar se o mesmo está sendo respeitado, conforme os preceitos constitucionalmente estabelecidos. Assim como justiça tardia não faz justiça, ação pública desidiosa também não atende aos anseios das pessoas, no caso em estudo, dos indígenas. Não basta haver a lei, pois, sem ações, a letra da norma continuará fria e silenciosa. Não basta o reconhecimento de um direito, se não houver políticas públicas que viabilizem o seu exercício. Infelizmente é essa realidade diária das populações indígenas no Brasil. As manifestações desses povos têm se tornado uma matéria repetitiva nos noticiários nacionais. Por quê? Nessa tentativa de esclarecer os fatos será iniciado o próximo tópico com a apresentação da questão fundiária dos povos indígenas que habitam o Médio e Baixo Rio Negro no Estado do Amazonas, a qual reflete a situação da maioria das aldeias espalhadas pelo nosso país."
Terras indígenas, segundo a legislação brasileira, são aquelas tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas do Brasil, habitadas em caráter permanente, utilizadas para as suas atividades produtivas, e imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários para o seu bem-estar e sua reprodução física e cultural, de acordo com seus usos, costumes e tradições. As terras indígenas são bens da União inalienáveis e indisponíveis, e os direitos dos índios sobre elas não caducam.
Os povos indígenas do Brasil compreendem um grande número de diferentes grupos étnicos que habitam o país desde milênios antes do início da colonização portuguesa, que principiou no século XVI, fazendo parte do grupo maior dos povos ameríndios. No momento da Descoberta do Brasil, os povos nativos eram compostos por tribos seminômades que subsistiam da caça, pesca, coleta e da agricultura itinerante, desenvolvendo culturas diferenciadas. Apesar de protegida por muitas leis, a população indígena foi amplamente exterminada pelos conquistadores diretamente e pelas doenças que eles trouxeram, caindo de uma população de milhões para cerca de 150 mil em meados do século XX, quando continuava caindo. Apenas na década de 1980 ela inverteu a tendência e passou a crescer em um ritmo sólido. No censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2010, 817 963 brasileiros se autodeclararam indígenas, embora milhões de outros tenham algum sangue índio em suas veias. Ainda sobrevivem diversos povos isolados, sem contato com a civilização.
Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro, na Bahia, com 13 embarcações, 1.400 homens entre marinheiros, técnicos em navegação, escrivães, cozinheiros, padres e ajudantes. Eles saíram de Portugal em busca das Índias, mas chegaram ao litoral sul baiano, no dia 22 de abril de 1500. Só desembarcaram no dia 23, quando descobriram que as terras não eram desabitadas. Cerca de 3 milhões de nativos, os índios, já viviam no Brasil.
“Isso descaracteriza a visão tradicional de que teria sido uma descoberta. Na realidade, Portugal não descobriu o Brasil, ele ocupou, invadiu, submetendo dessa maneira diversas nações indígenas. Se o Brasil já possuía uma população indígena, local, não se trata de uma descoberta, e sim de uma conquista. As comunidades se dividiam entre diversas nações, dentre as quais quatro grupos eram principais: os tupis, no litoral e parte do interior, os macro-jês no norte da Bacia Amazônica; os aruaques, no Planalto Central; e os cariris, também na região Amazônica.
Os povos indígenas brasileiros deram contribuições significativas para a sociedade mundial, como a domesticação da mandioca e o aproveitamento de várias plantas nativas, como o milho, a batata-doce, a pimenta, o caju, o abacaxi, o amendoim, o mamão, a abóbora e o feijão. Além disso, difundiram o uso da rede de dormir e a prática da peteca e do banho diário, costume desconhecido pelos europeus do século XVI. Para a língua portuguesa legaram uma multidão de nomes de lugares, pessoas, plantas e animais (cerca de 20 mil palavras), e muitas de suas lendas foram incorporadas ao folclore brasileiro, tornando-se conhecidas em todo o país. Também foram importantes aliados dos portugueses, mesmo involuntários, na consolidação da conquista territorial, defendendo e fixando cada vez mais distantes fronteiras, e deram grande contribuição à composição da atual população nacional através da mestiçagem.
Suas culturas diversificadas compunham originalmente um rico mosaico de tradições, línguas e visões de mundo que, depois de serem longamente desprezadas como típicas de sociedades bárbaras, ingênuas e atrasadas, ou no máximo apreciadas como exotismos e curiosidades, hoje já começam a ser vistas em larga escala como culturas complexas, sofisticadas em muitos aspectos, interessantes por si mesmas e portadoras de valores importantes para o mundo moderno, como o respeito pela Natureza e um modo de vida sustentável, merecendo consideração como qualquer outra. Mesmo assim, a degradação das culturas tradicionais pelo contato assíduo com a civilização tem sido rápida mesmo dentro das reservas, acarretando penosas repercussões sociais.
Para muitos observadores, o destino dos povos indígenas do Brasil ainda é incerto, e esperam muitas lutas pela frente. Os conflitos que os envolvem continuam a se multiplicar; mortes, abusos, violência e disrupção interna continuam a afligir muitas comunidades, mesmo com todos os avanços e toda proteção jurídica, com toda a conscientização política das comunidades e sua mobilização conjunta, e mesmo com o apoio de expressiva parcela da população brasileira não-índia e organismos internacionais. Há poderosos interesses políticos e econômicos em jogo, e mesmo interesses culturais. Ainda falta muito para que eles consigam garantir suas terras e uma sobrevivência digna e independente da tutela do governo, que historicamente os entendeu como incapazes e chamou a si a responsabilidade de "administrá-los", mas tem sido também incapaz de assegurar-lhes os direitos que já foram definidos constitucionalmente, e vem sendo acusado até de promover profundos retrocessos de maneira deliberada que dão continuidade a um secular genocídio, atraindo com isso pesadas e incessantes críticas em casa e no estrangeiro.
Historicamente os povos que primeiro viviam no Brasil sofreram uma série de abusos por parte dos conquistadores europeus, (pausa para pensar)que levaram muitos à extinção ou ao declínio acentuado. Outros foram expulsos de suas terras, e até hoje seus descendentes não as recuperaram. Os direitos dos índios à preservação de suas culturas originais, à posse territorial e ao desfrute exclusivo de seus recursos são garantidos constitucionalmente, mas na prática cotidiana a efetivação desses direitos tem se revelado muito difícil e altamente controversa, sendo cercada de violência, corrupção, assassinatos, grilagem e, outros crimes, que têm originado inúmeros protestos tanto domésticos quanto internacionais, bem como intermináveis disputas nas cortes de justiça e no Congresso Nacional.
No início do século XX, o Brasil decidiu expandir suas fronteiras agrícolas, fortalecendo a sua posição de país dependente, exportador de matérias primas. Então foi necessário avançar pelo interior, abrir caminhos para a pecuária e a agricultura. Mas, esse legado de humanidade se perdeu no tempo. "Pacificados," os indígenas chamados a se "civilizar", a entrar no ritmo da sociedade branca, foram perdendo sua identidade, suas raízes, sua cultura. Outros, renitentes, foram alojados em reservas, como se fossem bichos exóticos, com suas terras diminuídas e tuteladas pelo Estado. O território "pacificado" ganhou escrituras, donos, cercas. E aos verdadeiros donos do território restou a nostalgia de um tempo em que eles podiam viver à sua maneira.
Agora, durante o mais novo ciclo de desenvolvimento dependente brasileiro, que teve início no governo Lula, é justamente essa dita fronteira agrícola que busca se expandir outra vez e, de novo, à custa dos povos originários ou dos camponeses sem terra. Mas, quando falamos em agricultura não está em questão aquela que produz comida para a mesa dos brasileiros, e sim a de exportação, que na linguagem empresarial ganhou o pomposo nome de agronegócio. Pois esse negócio representa mais de 22% da riqueza total produzida no país, o que não é pouca coisa. Só a China tem importado mais de 380 milhões de dólares em produtos agrícolas, bem como os Estados Unidos que encosta-se a essa mesma cifra. Segundo informações do governo federal (dados de2011), os produtos de maior destaque que saem do país são as carnes (US$ 1,14 bilhão); os produtos florestais (US$ 702 milhões); o complexo soja - grão, farelo e óleo (US$ 685milhões); o café (US$ 605 milhões) e o complexo sucroalcooleiro - álcool e açúcar (US$372 milhões). Nota-se que a maior parte da exportação diz respeito a grãos (que no geral servem para alimentar animais) e madeira, dois legítimos representantes da monocultura destruidora de terra.
Cálculos do governo apontam para o sucessivo crescimento da produção de grãos, principalmente a soja, que tem aumentado a área plantada em 2,3% ao ano. Não é por acaso, então, que o Mato Grosso do Sul seja o principal foco de disputa de terra e de violência contra os indígenas. É justamente a região centro-oeste a responsável por 45% da produção de soja. E é lá também onde existe uma grande parcela do povo autóctone, esperando demarcação de suas terras.
A partir do ano de 2003 outra fronteira começou a se alargar na plantação de soja, atualmente outro espaço de violentas disputas, a da região da caatinga e a parte nordestina da Amazônia. Também não é sem razão que o governo esteja levando adiante obras gigantescas como as Hidrelétricas na Amazônia e a transposição do Rio São Francisco.
Com esse fortalecimento, os ruralistas poderão levar adiante a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 215/2000, que transfere do Executivo para o Legislativo o poder de decisão sobre a restrição, a demarcação e a ampliação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação. O argumento dos ruralistas é de que o Congresso Nacional representa diversos segmentos da sociedade e, portanto, seria a instância mais adequada para debater a homologação das terras.
Para críticos do projeto, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), trata-se de uma grande ameaça aos direitos dos povos tradicionais brasileiros e um golpe contra a própria Constituição, já que inviabilizaria na prática o reconhecimento de novos territórios e abriria espaço para a revisão das áreas demarcadas.
Em 2013, um movimento organizado pela Frente Parlamentar da Agropecuária do Congresso, bloquearam o tráfego em rodovias federais e estaduais para pressionar o governo federal a editar uma portaria com novas regras para o processo de demarcação de terras indígenas.
Segundo a antropóloga Eliana Tavares: “Tudo isso é para atender a demanda dessas plantações. E é sempre bom frisar: não é comida para o povo, é produto de exportação. Vai para fora do país.
Não bastassem os projetos mirabolantes para beneficiar o agronegócio, o governo também disponibiliza, através do Plano Safra, crédito a juros abaixo do mercado. Ou seja, os mais ricos pagam menos pelos empréstimos, enquanto os pequenos, que plantam a comida que vai para a mesa da população, amargam juros altos e falta de apoio. Também está em andamento o Plano Estratégico do Setor Sucroalcooleiro, que visa ampliar a área de cana-de-açúcar para a produção do etanol. Mais uma vez, não é comida o que essa gente produz.
A lógica é a de sempre: garantir rentabilidade para poucos donos de terra, reforçar o sistema agroexportador, apoiar a ação de multinacionais predadoras, e seguir o caminho de dependência econômica, já que produtos agrícolas de baixo valor agregado tornam a economia bastante vulnerável. Mas, ao que parece isso não importa. O que vale é seguir investindo nos grandes produtores para manter a balança em superávit, mesmo que isso precise custar soberania, destruição ambiental e morte daqueles que ousam "atrapalhar" o esquema.
Assim, segundo a jornalista e antropóloga Eliane Tavares na mesma semana (06/06/2013) em que indígenas são assassinados no Mato Grosso do Sul, o governo anuncia mais um pacote de 136 bilhões de reais para a agricultura empresarial (o agronegócio). Nesse contexto, percebe-se que os conflitos acerca da demarcaçãod e terras indígenas e o agronegócio e muitas vezes violenta.
O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio. Os fazendeiros querem mais terras e não estão dispostos a permitir que seres que eles consideram "inúteis" vivam sua cultura de equilíbrio ambiental e desenvolvimento fora do ritmo capitalista. Para aqueles que apenas conseguem enxergar os números da bolsa de Nova Iorque, a população indígena é um entrave que precisa ser retirado do caminho a qualquer custo. Para isso contratam jagunços e mandam bala. Fazem ouvidos moucos ao clamor que se levanta.”
Segundo ela, o agronegócio e Ajudado pela mídia comercial, dominada pela elite que verdadeiramente governa o país, esses empresários rurais conseguem também entrar na cabeça das gentes, fertilizando um discurso racista, preconceituoso e violento. Pessoas simples, trabalhadores, gente que deveria ser solidária aos indígenas na sua luta pelo direito de viverem em suas terras, acabam reproduzindo o mantra diariamente veiculado na televisão: que os índios são vagabundos, que não querem trabalhar, que não precisam de terra, que vão vender os terrenos, que vão explorar a madeira, e assim por diante. "Compram" a mentira diuturnamente produzida e tornam-se cúmplices de mais um massacre da população originária, verdadeira dona desse lugar.
Nesse contexto, o governo federal se curva aos interesses da classe dominante e emprega a força bruta para atacar manifestações legítimas dos povos indígenas e das gentes que apoiam a causa originária.
Para Elaine Tavares “O conflito que temos visto se explicitar nas estradas do Mato Grosso do Sul, na Amazônia e até aqui, no Morro dos Cavalos, nada mais é do que a luta de classe, típica do capitalismo. De um lado, o latifúndio defendendo seus interesses, do outro, os explorados, buscando vida digna. E, no meio disso tudo uma nação alienada pela constante deformação informativa da mídia comercial que transforma em inimigo aqueles que são as vítimas do sistema.”.
A saída para desse conflito, para Elaine Tavares “é a luta mesma. Nada será concedido pelo governo, que já se ajoelhou diante do agronegócio. Agora, o desafio é tirar o véu do conflito, escancarar as causas, abrir os olhos dos entorpecidos pela mídia. E isso, sabemos, é coisa difícil demais. Mas, também não é coisa que deva nos imobilizar. Pelo contrário. Nessa hora em que os irmãos indígenas enfrentam as balas e a morte, é preciso apoio concreto e efetivo. O bom mesmo seria que as gentes saíssem para a rua em solidariedade à luta indígena. Enquanto isso não acontece vamos fazendo o trabalho de formiga, levando outra informação, para que as cabeças possam compreender o direito dos indígenas.”
Se as pessoas não sabem muito sobre os indígenas na atualidade, sabem menos ainda sobre o passado destes povos. Mesmo os pesquisadores não encontram um consenso, e os números variam muito conforme os critérios utilizados.
A antropóloga e demógrafa Marta Maria Azevedo estima que, na época da chegada dos europeus, a população indígena no Brasil era de 3 milhões de pessoas. Eram mais de 1.000 povos diferentes, que durante séculos foram exterminados pelos conquistadores, seja por suas armas de fogo, seja pelas doenças que eles trouxeram. De acordo com antropóloga, em 1957 havia no Brasil apenas 70 mil indígenas. O crescimento desta população é observado somente a partir da década de 1980.
Em 1991, quando o IBGE passou a coletar dados sobre a população indígena brasileira, eles somavam 294 mil pessoas. Em 2000, o Censo revelou um crescimento da população indígena muito acima da expectativa, passando para 734 mil pessoas. Em 2010, a população indígena continuou crescendo, e o Censo mostrou que mais de 817 mil brasileiros se autodeclararam indígenas, representando 0,47% da população brasileira. Eles estão distribuídos em 305 etnias e falam 274 línguas.
Esse aumento populacional jamais seria possível se fossem considerados apenas fatores demográficos, como a natalidade e a mortalidade. Esses dados revelam o crescimento do número de pessoas que passaram a se reconhecer como indígenas e o “ressurgimento” de grupos indígenas. Isto se dá porque, antes, ser índio no Brasil significava ser atrasado, inferior, escravizado, catequizado, ser alvo de discriminação, de chacinas e até mesmo não ser considerado humano. Diversos povos foram obrigados a abrir mão de suas línguas e de sua cultura. Agora os povos indígenas voltam a afirmar sua identidade, talvez porque as circunstâncias estejam mais amigáveis. Ou talvez porque este grito não suporte mais ser calado.
Tratá-los simplesmente como “índios” esconde a imensa diversidade cultural e circunstâncias de vida tão distintas. Mas algo muito mais forte que as diferenças étnicas propicia a união destes povos: o fato de se sentirem diferentes de nós.
Temos no Brasil todos os tipos de extremos: índios que possuem seu território assegurado e índios que morrem lutando por seu território; índios brancos e índios negros; índios cristãos e índios pajés; índios isolados e índios urbanos.
Os povos indígenas isolados são aqueles que não estabeleceram contato permanente com a população nacional e com o Estado. As informações sobre eles são transmitidas por outros índios, por moradores da região e por pesquisadores. A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem cerca de 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal, dos quais 26 já foram confirmados e estão sendo monitorados, seja por imagens de satélite, sobrevoos ou expedições na região. Não se sabe, no entanto, a quantidade destes povos e indivíduos que vivem voluntariamente isolados.
Muitos já tiveram alguma experiência de contato não amistosa com garimpeiros, madeireiros, grileiros e traficantes próximos à fronteira. Também é provável que tenham tido ou mantenham contato com populações ribeirinhas, seringueiros e, principalmente, com algum outro povo indígena.
Os resultados do contato conosco são trágicos, a começar pelas doenças que transmitimos, para as quais eles não têm imunidade: sarampo, rubéola, caxumba, difteria, tétano, hepatite, gripe e outras. Conhecendo esta realidade, estes povos que vivem em situação de isolamento escolheram fugir. Isso não significa, no entanto, que eles não tenham notícias de nossa sociedade. Eles observam rastros, utilizam ferramentas e se relacionam com outros indígenas que contam as novidades do mundo do branco.
Em outros tempos, como muitos devem se lembrar, o órgão governamental indigenista, na época chamado SPI (Serviço de Proteção aos Índios), deixava presentes como espelhos, panelas e ferramentas para atrair os indígenas. Hoje a Funai busca garantir que eles tenham seu território assegurado para transitarem livremente. Mas as ameaças são muitas e cada vez mais seus territórios são menores.
Os indígenas que vivem em áreas urbanas somam 324 mil, ou seja, 36% do total da população indígena, um número que vem crescendo ano após ano (IBGE, 2010). Há dois motivos recorrentes para que esses índios vivam em áreas urbanas. Um deles é a migração dos territórios tradicionais em busca de melhores condições de vida na cidade. O outro é que os limites das cidades cada vez mais alcançam as fronteiras de seus territórios.
As pessoas continuam acreditando que a população indígena está sendo reduzida, mesmo que os números digam o contrário e que eles estejam mais presentes nos centros urbanos. A desinformação tem uma consequência: fingimos que os índios estão deixando de existir e gradualmente não pensamos mais na situação deles. Assim fica mais fácil justificar nenhum respeito a seus direitos e à sua própria vida.
Mentira nº 2: Os índios estão perdendo sua cultura
Imagem:Articulçação Xingu Araguaia.
De modo geral, cultura é o conjunto de manifestações que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a língua, a moral, os costumes, os comportamentos e todos os hábitos e aptidões adquiridos por pessoas que fazem parte de uma sociedade específica.Esta afirmação resume uma série de outras ideias muito difundidas: “índio que usa celular não é mais índio”, e suas variáveis televisão, computador, calça jeans, tênis, rede de pesca, barco a motor, caminhonete, trator e etc.
Sendo composta por diversos elementos, a cultura está em constante transformação, se inter-relacionando de diferentes formas com o ambiente, as circunstâncias, outras culturas e consigo mesma. Logo, a cultura não é algo que se perde, é algo que se transforma constantemente.
É certo, no entanto, que não temos uma relação de troca cultural justa com os indígenas. Nossa sociedade se caracteriza por termos uma cultura dominadora e impositiva. O impacto do nosso modo de vida reflete diretamente na vida dos indígenas, de forma que hoje já não há a mesma fartura e biodiversidade que se tinha em 1500. O rio está contaminado por agrotóxicos, a floresta foi derrubada e a quantidade de peixe e de caça foi drasticamente reduzida.
Neste sentido, a incorporação de elementos de outra cultura é também uma estratégia de resistência. O uso de equipamentos de pesca dos “brancos”, por exemplo, pode ser um modo de resistência cultural, num entendimento de que pescar é mais importante para a identidade indígena do que se manter preso a técnicas tradicionais e não chegar com o peixe em casa.
Uma das maneiras de se fortalecer a tradição é inovar a partir de uma forte referência tradicional. Um grupo de jovens Guarani Kaiowá nos dá um bom exemplo de resistência cultural. O grupo de rap Brô MC’s é formado por duas duplas de irmãos, e daí o nome “brô”, do inglês “brother”. Suas rimas misturam português e guarani e denunciam o desmatamento ilegal, o esquecimento e a perseguição que seu povo sofre por pressão do agronegócio. (Curta o som aqui)magem: Jusbrasil
Outras vezes, objetos não-indígenas podem ser inseridos na cultura indígena com um significado e uso completamente diferentes do nosso, como garrafas plásticas cuidadosamente cortadas e limadas para fazerem colares, à semelhança do que fazem há centenas de anos com as lascas de caramujos. E outras vezes, por fim, eles podem incorporar determinado elemento de outra cultura e nem por isso serem “menos índios”, assim como comer sushi não nos torna japoneses, tomar chimarrão não nos torna gaúchos e tomar banhos diários não nos torna índios.
Nos assusta a velocidade com que alguns indígenas incorporam elementos da nossa cultura no seu modo de vida. Mas sabemos que as trocas entre povos sempre existiram. Se nos chama a atenção ver um indígena ao celular, é porque não sabemos que o adorno que ele utiliza em rituais de sua tradição há séculos podem ter sido confeccionados por um outro povo e utilizados como moeda de troca. E por que não?
Com que velocidade os Karajá incorporaram elementos da cultura Tapirapé, e vice-versa? Com que velocidade os brasileiros incorporam elementos da cultura norte-americana? Não existe meios de medir precisamente as causas e os efeitos destas trocas culturais.
Nossa sociedade não aceita que este sujeito tão diferente de nós possa utilizar as mesmas tecnologias e bens de consumo que utilizamos. Assim, ao mesmo tempo que vemos os indígenas como inferiores por não terem desenvolvido as tecnologias que nos saltam aos olhos, não aceitamos que ele desfrute das facilidades da vida contemporânea. Como se tudo o que temos hoje fosse resultado apenas do trabalho de homens brancos e para usufruto exclusivo de homens brancos. Como se o progresso tecnológico e econômico não tivesse sido impulsionado também pela tomada de territórios e riquezas que pertenciam a esses índios.
Mas para que índio quer tecnologia? Tenho visto indígenas vendendo artesanatos através do Facebook, trocando e-mails com lojas que revendem suas produções, promovendo abaixo-assinados para terem seus direitos respeitados, se comunicando com parentes que ficaram na aldeia enquanto ele saiu para estudar na cidade e namorando, como a gente.
O uso da fotografia e, especialmente, a produção de vídeos, tem se destacado entre os povos indígenas com a função de registrar a realidade, de encenar mitos e histórias, de criar estórias e de mostrar para outros povos (indígenas ou não) um pouco de sua cultura. As produções audiovisuais também têm sido usadas como uma ferramenta de denúncia ao ataque de seus direitos.
Outro equipamento que tem sido bastante útil é o GPS, que pode ser uma ferramenta de vigilância e atuação conjunta com os órgãos responsáveis pelo combate do garimpo, de madeireiras e de outras atividades ilícitas.
Mentira nº 3: Estão inventando índios, agora todo mundo pode ser índio
Se a pessoa se reconhece como indígena e se identifica com um grupo de pessoas que também se reconhecem como indígenas e a consideram indígena, então ela é. Não existe nenhum reconhecimento da Funai, nenhum julgamento de um não-indígena e nenhum critério imposto por nossa sociedade que possa ser maior do que o seu sentimento e o sentimento da coletividade a qual ela pertença.
Ela pode se considerar indígena por uma questão genética e/ou cultural, mas não cabe a nós e nem ao governo atribuir identidade a outra pessoa. A autodeclaração é defendida também pela Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2000.
Por isso, não tem fundamento a ideia de que “sendo assim, todos os brasileiros seriam indígenas, já que correm em nossas veias sangue indígena, daquela bisavó que foi pega no laço”. Este discurso não viria de um indígena. Se o cidadão diz isso querendo reduzir o direito de ser índio na atualidade, é evidente que está se identificando muito mais com o bisavô estuprador do que com a bisavó violentada.
Repare que a televisão, por exemplo, se esforça em caricaturar os indígenas. Quando a TV mostra aquele “indiozão” bonito da Amazônia, forte, guerreiro, caçador, todo enfeitado de penas e muito bem pintado, o povo acha bonito de ver e até acha que não existe mesmo racismo contra indígena. Mas quando a TV diz que aquele é um índio, discretamente nega outras possibilidades de índios.
Nega que existam índios sem penas e sem pinturas, com jeans e celular. Nega aqueles que não têm mais arara em seu território e por isso não usam cocar. Nega aqueles que têm cabelo crespo porque os negros escravizados fugiram para sua aldeia e foram bem recebidos como parceiros de resistência. Nega aqueles que vivem nas cidades porque seus territórios foram invadidos, aqueles que vão para Brasília protestar, etc.
Os índios são como são. Se nossa sociedade tem dúvida se um indivíduo é índio, esta dúvida não encontra recíproca por parte dele. Quem é índio sabe que é, porque tem a vivência do seu povo e sente na pele o racismo.
Nossa sociedade acredita que existe uma escala de quem é mais ou menos índio: “vive em maloca? Tem cabelo liso? Sabe pescar? Usa celular? É rico?”. Mas não é assim que funciona, não existe uma tabelinha para a gente definir quem é e quem não é, quem é mais e quem é menos. Essa crença evidencia o desejo oculto de querer que tenham menos índios, pois alguns já estão “aculturados” e “integrados”.
A Convenção nº 169 da OIT garante a autodeterminação dos povos e o direito de que cada população indígena ou tribal possa escolher seus próprios caminhos para o futuro. Esse princípio consta ainda na Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas.
O entendimento de que os indígenas seriam assimilados até deixarem de existir já foi superado na legislação, mas ainda precisa ser superado na sociedade.
Mentira nº 4: O Brasil é um país miscigenado, aqui não tem racismo
Racismo, assim como machismo, é algo sutil. Às vezes ele aparece escancarado, quando um sujeito chama um negro de “macaco”, quando uma mulher é estuprada, quando se constata um salário menor para mulheres e negros do que para homens brancos para fazerem exatamente o mesmo trabalho. Esse racismo escancarado é muitas vezes (mas nem sempre) condenado pela sociedade.
Mas nem tudo é preto no branco, racismo ou não-racismo. Há infinitas combinações de cores, há infinitas formas de demonstrar e de esconder o racismo e ainda assim julgar-se superior.
A diferença não está só na cor da pele, no tipo de cabelo e na classe social. Além de tudo isso, a diferença é cultural e muitas vezes até linguística. Os indígenas são, provavelmente, os brasileiros mais ímpares e diferentes que compartilham o mesmo território que nós.
O racismo pode aparecer em momentos leves, entre amigos. As pessoas naturalizaram de uma tal forma o racismo contra indígenas, que não percebem que jamais poderiam usar aquelas mesmas palavras para se referir a qualquer outro grupo de pessoas. Nossa sociedade tem sido muito conivente com o racismo contra indígenas, a despeito do que diz nossa legislação.
Conforme a Constituição Federal e a Lei nº 7.716/89, serão punidos os crimes de discriminação ou preconceito contra raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sendo o crime de racismo inafiançável e imprescritível. No entanto, diariamente os indígenas são discriminados e são raros os casos de denúncia e condenação.
As redes sociais, por exemplo, estão repletas de conteúdo racista. Em abril de 2014, a Justiça Federal condenou um jornalista amapaense por cinco mensagens que utilizavam expressões de desprezo se referindo aos índios Guarani Kaiowá. De acordo com a decisão, o jornalista prestaria serviços comunitários na Casa de Apoio à Saúde Indígena do Amapá (Casai) e pagaria seis salários mínimos ao Conselho de Caciques de Oiapoque e à Associação dos Indígenas de Wajãpi. A proposta é que, prestando serviços comunitários na Casai, o jornalista conviva com indígenas e, conhecendo a realidade, passe a respeitá-los. Tomara que sim. (Saiba mais)
Na esfera política os discursos de ódio estão cada vez mais escancarados. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Deputado Federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), diversas vezes desqualificou publicamente quilombolas, índios, gays e lésbicas (saiba mais). As urnas mostraram que a população o apoia: em 2014, Heinze foi reeleito pela 5ª vez, como Deputado Federal do Rio Grande do Sul, sendo o deputado mais votado do estado.
Os discursos racistas atingem diretamente os indígenas. O relatório Conflitos no Campo Brasil 2013, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostra que, das 1.266 ocorrências relacionadas ao conjunto dos conflitos no campo no Brasil, 205 estão relacionadas a indígenas, totalizando 16%. A maior parte destes casos refere-se a conflitos por terra ou retomada de territórios, somando 154 ocorrências.
Os povos indígenas são os mais afetados pela violência no Brasil. Ainda segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil, em 2013, das 829 vítimas de assassinatos, ameaças de morte, intimidações, tentativas de assassinato e outras, 238 eram indígenas. Das 34 mortes por assassinato, 15 eram de indígenas. Eram também indígenas 10 das 15 vítimas de tentativas de assassinato, e 33 das 241 pessoas ameaçadas de morte.
É triste constatar que as mortes de indígenas no campo, as quais se caracterizam como um verdadeiro genocídio, encontram uma referência no discurso de figuras públicas e lideranças políticas, quase sempre motivadas por interesses econômicos.
O racismo (assim como o machismo) habita o imaginário social, paira sobre a sociedade como um todo, e, consequentemente, sobre cada indivíduo. Como toda ideia, ele é vivo, autônomo e se faz transparecer em ações e ideologias.
Um dos modos que o racismo age é pela generalização, quando se nota algo negativo de um indivíduo e se transfere essa questão ofensiva para o povo todo. Utilizando um exemplo bem comum em cidades pequenas que convivem com indígenas, imagine que alguém veja na rua um homem bêbado. Se o homem não é indígena, comenta-se “este homem está bêbado”, mas se ele for indígena o comentário é “os índios estão sempre bêbados”.
A sociedade é racista, e mesmo que você não se considere racista, às vezes ele pode escapar discretamente. Vigie seus atos, pensamentos, sentimentos e se permita ver.
Mentira nº 5: Os índios têm muitos privilégios
Se estivéssemos aqui falando de privilégios como desfrutar de uma vida em meio à natureza, estaria tudo bem. Mas não, infelizmente este discurso vem acompanhado da crença de que “índio recebe um salário do governo a partir do momento que nasce”.
Pior do que ter tantas pessoas acreditando nisso, é a surpresa que expressam quando descobrem que não. “Não? Mas então, do que vivem?”. Parece impossível acreditar que trabalham e que batalham pelo seu sustento. Ao contrário do que tantos brasileiros acreditam, não existe muita vantagem em ser indígena hoje em dia. Existe sim, muita coragem.
Em relação à saúde, a diferença é que os indígenas são atendidos pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), que é parte do mesmo SUS que atende aos não-indígenas. Na teoria, essa distinção permite um olhar diferenciado dos profissionais de saúde, considerando questões culturais e atuando em consonância com as práticas de saúde tradicionais indígenas. Na prática, como os nossos postos de saúde, alguns funcionam bem, outros não. Faltam equipamentos, às vezes não têm remédios, faltam profissionais especializados, etc. Falta percorrer um longo caminho.
Na área da educação por muitos anos os indígenas estiveram expostos à imposição de nossos valores e negação de sua identidade e cultura. Hoje o Ministério da Educação é responsável por desenvolver uma educação diferenciada, intercultural e bilíngue, dando espaço aos processos de aprendizagem e aos conhecimentos indígenas. Além disso, os indígenas podem elaborar seus próprios currículos e rotinas escolares com gestão indígena. De acordo com o Ministério da Educação, a maioria dos professores ainda são não-indígenas, totalizando 7.968, enquanto professores indígenas somam 7.321. Na prática, como no ensino público para não-indígenas, com exceção de alguns casos de sucesso, faltam materiais didáticos específicos, alimentação (sendo que poucas vezes esta é de fato diferenciada), infra-estrutura etc.
Quanto aos benefícios sociais, indígenas são considerados pelo INSS “segurados especiais” para fins de acesso ao salário maternidade, aposentadoria por idade, auxílio doença, auxílio acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio reclusão.
Segurados especiais são os trabalhadores rurais que produzem em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada. Além dos indígenas, são considerados segurados especiais os agricultores, os seringueiros e os pescadores artesanais. Os indígenas precisam comprovar que sua subsistência advém do extrativismo, do plantio ou de outra atividade vinculada à terra e aos recursos naturais. Ou seja, os indígenas acessam estes benefícios não por serem indígenas, mas sim por viverem de atividades rurais, pois se forem assalariados, deixam de ser segurados especiais.
E, por fim, os indígenas possuem o direito de usufruir de seu território. As Terras Indígenas não
são dos indígenas, são propriedade da União, terras públicas que pertencem a toda a nação brasileira, cedidas aos índios em regime de posse permanente e usufruto exclusivo. Ou seja, eles não têm a propriedade das terras: ganham o direito de nelas residir e fazer uso das riquezas do solo e das águas para a atual e as futuras gerações viverem.
Mentira nº 6: Os índios são tutelados, por isso índio não vai preso e não pode comprar bebida alcoólica
Essa história é antiga e tem um fundo de verdade. Desde o período colonial até o século passado, o Estado sempre considerou que os indígenas deveriam ser integrados, ou seja, deveriam negar suas identidades em nome de sua inserção à nação brasileira.
Esta concepção foi perpetuada por séculos e virou “tutela” no Código Civil de 1916 (artigo 6º), que enquadrou os índios na categoria de relativamente incapazes, condição semelhante à dos órfãos menores de idade no século XIX.
O Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73) endossou o regime de tutela, depois de separar categorias de índios em “isolados”, em “vias de integração” e “integrados”, estabelecendo que o regime tutelar se aplicaria aos índios ainda não integrados.
O Estado tutor é aquele que decide pelos índios e, sob pretexto de cuidar deles, os mantém sob controle. Em nome desta “tutela”, o Estado brasileiro promoveu um verdadeiro genocídio. A Comissão Nacional da Verdade, que investiga crimes cometidos pelo governo ou agentes da ditadura militar, estima que somente a construção de estradas na Amazônia, no governo do general Médici (1969-1973), matou em torno de 8 mil índios (saiba mais).
Na região do Araguaia, o povo Xavante de Marãiwatsédé entregou um relatório de 71 páginas à Comissão Nacional da Verdade. Entre os crimes, estão a invasão do território com a condescendência de autoridades, empresários e poderes locais e nacionais (saiba mais).
A legislação só tomou um rumo diferente em 1988, com a atual Constituição Federal Brasileira. Nossa Constituição reconheceu e introduziu os direitos permanentes dos índios, abandonando a ideia de que eles seriam assimilados à nossa sociedade e endossando a ideia de que os índios são sujeitos presentes e capazes de permanecer no futuro. Ela reconheceu ainda o direito dos indígenas às suas terras e à cidadania plena. Esse avanço na legislação indigenista foi uma conquista do movimento indígena.
O Novo Código Civil Brasileiro (2002), em seu Art. 4º, diz que “a capacidade dos índios será regulada por legislação especial”. Como essa tal lei não existe, alguns podem acreditar que se trata do antigo Estatuto do Índio, e daí se cai em contradição, já que o referido Estatuto trata o índio como semi-incapaz.
O Estatuto do Índio e suas ideias retrógradas nunca foram oficialmente revogados, mas muitos especialistas acreditam que a Constituição Brasileira, como nossa lei máxima, por si só já o revoga em relação à tutela. Porém, muitos juristas, legisladores e a população brasileira ainda remetem ao Estatuto do Índio para embasar decisões e discursos, valendo-se da contradição das leis e provocando insegurança jurídica para os povos indígenas.
Por isso, no entendimento da Funai e de diversos especialistas, indígenas são tão cidadãos quanto nós, e podem sim comprar bebidas alcoólicas fora das Terras Indígenas. Aliás, o comerciante que não vendesse estaria cometendo um crime ao discriminar o indígena, além de uma prática abusiva prevista no inciso IX do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor.
Algumas instâncias governamentais encontram amparo legal no Estatuto do Índio para proibir a venda de bebidas alcoólicas para indígenas. O Artigo 58 desse Estatuto estabelece que constitui crime “propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não integrados”.
Em relação à criminalização, o Estatuto do Índio diz que a pena deve ser atenuada, e “se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado” (Art. 56).
A tutela em nada tem a ver com a não-responsabilização do indivíduo por um crime que praticou. Tem a ver com um julgamento diferenciado caso a questão se relacione à sua prática cultural e à necessidade de um intérprete em seu interrogatório, caso o indígena não tenha completo domínio da língua portuguesa.
Em relação aos delitos, a lei para os indígenas é a mesma que a nossa. Índios podem ser e são presos quando roubam, quando praticam atos de violência, cometem assassinatos e por todos os motivos que os não-indígenas são presos. São presos também injustamente, para serem calados e oprimidos, para não serem cumpridos seus direitos como no caso do Cacique Babau, que luta pelo seu território e sofre continuamente perseguição das autoridades (saiba mais).
Mentira nº 7: Tem muita terra para pouco índio
Em 1978, o Estatuto do Índio ordenou ao Estado brasileiro a demarcação de todas as terras indígenas até dezembro de 1978. Depois de dez anos, a Constituição Brasileira reconheceu aos índios os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (Art. 231), e estabeleceu o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as Terras Indígenas.
Quando a Constituição traz o termo “direitos originários”, ela revela que este direito vem desde sempre, antecedendo à própria Constituição. As demarcações são apenas reconhecimento desse direito pré-existente. A noção de território não constitui apenas uma relação de ocupação ou exploração, mas o fundamento da existência do povo, pois somente em seu território é possível a prática plena de sua cultura.
No entanto, até hoje o Estado se recusa a cumprir sua obrigação e a cada dia crescem mais os interesses econômicos sobre estas terras tradicionais. Não bastasse isso, muitas Terras Indígenas são cada vez mais diretamente ou indiretamente afetadas por grandes empreendimentos, monoculturas com uso abusivo de agrotóxicos, mineradoras etc.
Enquanto os agentes destes grandes poderes econômicos tentam barrar todos os processos de demarcações, também dizem que é preciso modificar o procedimento de demarcação. O Decreto 1.775/1996 detalha todo o procedimento, havendo um grupo técnico especializado, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação. Após passar por autorização da Funai, é aberto um prazo para contestações e somente depois é feita a demarcação.
Os ocupantes não-indígenas são indenizados tanto pelas benfeitorias quanto pelos títulos de propriedade de boa fé. Além disso, os ocupantes não-índios que atendem ao perfil da reforma agrária são reassentados, a cargo do Incra.
As Terras Indígenas são inalienáveis e indisponíveis, ou seja, os indígenas não podem efetuar nenhum negócio jurídico que acarrete a transferência da titularidade de direitos sobre estas terras, e nem mesmo permitir o beneficiamento de não-indígenas com a exploração dos recursos naturais, pois o usufruto é exclusivos dos indígenas.
O discurso anti-indígena tem como principal argumento que as Terras Indígenas ocupam 13% do território nacional. Mas os brasileiros não se dão conta da imensa área que os latifúndios ocupam. O Brasil tem uma área de mais de 851 milhões de hectares. Destes, mais de 318 milhões são ocupados por grandes propriedades, totalizando 37% do território nacional.
A tabela abaixo mostra a quantidade de propriedades, a soma da área que estas propriedades ocupam e a porcentagem que esta área representa sobre o território nacional. Para compreender melhor, consideramos que “minifúndio” é o imóvel de área inferior a um módulo fiscal (Decreto nº 84.685/1980), “pequena propriedade” é o imóvel rural com área entre 1 e 4 módulos fiscais (Lei nº 8.629/1993) e “média propriedade” é o imóvel rural com área superior a 4 módulos fiscais e até 15 módulos fiscais (Lei nº 8.629/1993).
Não há definição legal para “grande propriedade”, a qual, no entanto, passou a ser tida na prática das políticas agrárias como o imóvel rural com área superior a 15 módulos fiscais.
Módulo fiscal é uma unidade de medida corresponde à área mínima necessária a uma propriedade rural para que sua exploração seja economicamente viável (Lei nº 6.746/1979). A depender do município, um módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares.
Classificação | Número de propriedades | Área (ha) | Peso sobre área total |
Minifúndio e pequena propriedade | 4.656.377 | 135.474.462 | 16% |
Média propriedade | 380.584 | 113.879.540 | 13% |
Grande propriedade | 130.515 | 318.904.739 | 37% |
Terra Indígena | 505 | 106.739.926 | 13% |
Outros (cidades, Unidades de Conservação, etc.) | – – – | 176.578.038 | 21% |
Total – Brasil | – – – | 851.576.705 | 100,00% |
Fonte: Cadastro do Incra – Classificação segundo dados declarados pelo proprietário – e de acordo com a Lei Agrária/93 e IBGE, Censo 2010
Proponho agora um exercício de imaginação. Consideremos que estes 130 mil proprietários vivam em suas grandes terras com suas famílias, e imaginemos que cada lar tenha em média 3,3 moradores, a mesma média dos lares brasileiros de acordo com o Censo Demográfico 2010.
Vamos desconsiderar que, ainda segundo o Incra, 69 mil das grandes propriedades, que equivalem a mais de 228 milhões hectares (40% da área das grandes propriedades) são improdutivas. A maior parte destas pessoas possuem outras fontes de renda, não produzem seus alimentos e não possuem laços ancestrais com a terra. Muitas vezes os proprietários não são pessoas, e sim empresas. Mas, por hora, deixemos estas questões de lado e nos voltemos aos números, tratando igualmente a área indígena e a de grandes proprietários.
Os indígenas, por sua vez, ocupam uma área de 106 milhões de hectares, sendo mais de 567 mil pessoas, conforme a tabela abaixo:
Classificação | Área (ha) | População | Área disponível por pessoa (ha) |
Grande Propriedade | 318.904.739 | 430.699 (estimativa) | 740 |
Terra Indígena | 106.739.926 | 567.583 | 20 |
Fonte: Cadastro do Incra – Classificação segundo dados declarados pelo proprietário – e de acordo com a Lei Agrária/93 e IBGE, Censo 2010
Ou seja, os indígenas estão em um território quase 3 vezes menor que o território das grandes propriedades, apesar de ser quase 4 vezes mais populoso. E repare que não estão sendo contados aqui os indígenas que vivem nas cidades, somente os que vivem em Terras Indígenas. Seria preciso multiplicar em 37 vezes o número de proprietários no latifúndio para ele se equivaler à área por pessoa em Terra Indígena. Portanto, nota-se: temos no Brasil muita terra para poucos proprietários.
A maior parte das terras indígenas está na Amazônia Legal, onde vive cerca de 55% da população indígena no Brasil. Nas demais regiões do país, principalmente nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além do estado do Mato Grosso do Sul, os povos indígenas conseguiram manter a posse em áreas geralmente diminutas e esparsas, espremidos entre cidades e fazendas, sem as condições mínimas necessárias para manter seu modo de vida. É justamente nessas regiões que se verifica atualmente a maior ocorrência de conflitos fundiários e disputas pela terra.
O que está em jogo não é aquele pé de fruta que o avô plantou e onde ele amarra sua rede. Não importa que ali estejam enterrados os seus antepassados, que ali seja a morada de seus espíritos e do mundo sagrado. O “desenvolvimento” vem como um trator atropelando tudo com suas hidrelétricas, mineradoras, gados, sojas e milhos transgênicos. Os índios amam o seu território. E muitos morrem porque os não-índios amam o dinheiro.
Mentira nº 8: Os índios são preguiçosos e não gostam de trabalhar
Cá entre nós, poucas pessoas verdadeiramente gostam muito de trabalhar. A maioria trabalha porque precisa do dinheiro para pagar as contas, para comprar comida, para comprar o celular e para comprar sempre e cada vez mais tudo que possa surgir. Essa é a lógica das sociedades capitalistas: ter cada vez mais, acumular e nunca estar satisfeito com o que tem.
A lógica indígena, tradicionalmente, não se interessa em acumular, e sim em desfrutar. Portanto, se antes do sol chegar ao alto do céu, o homem já pescou peixe para a família toda se alimentar naquele dia, ele pode voltar para casa e descansar, pois sua obrigação já foi cumprida.
Mas espera aí… caçar, pescar, plantar, colher, manejar, construir sua casa, fazer seu barco e fazer tudo mais que uma vida auto-subsistente necessita não parece nada fácil. Imagine então que para realizar cada uma destas tarefas é preciso muitas outras. Para fazer o barco, por exemplo, é preciso entrar no mato, encontrar uma árvore de uma espécie específica que esteja num bom tamanho e formato, derrubar a árvore, tirar da floresta, cortar e moldar a madeira, queimar de um modo específico com uma lenha específica, moldar novamente como o avô ensinou, queimar de novo, e pronto, finalmente ele tem o barco para pescar, resumidamente. Quem se habilita?
Durante séculos os indígenas estiveram domesticando diversas espécies de plantas que hoje consumimos, como o milho, um dos grãos mais produzidos no mundo, e a mandioca, que os brasileiros tanto gostam. Estas plantas e tantas outras, como feijões, abóboras, carás e tomates, não eram encontradas na natureza como hoje as conhecemos. São o resultado de muito trabalho indígena.
Superando esse preconceito, vamos considerar que os indígenas também têm o direito de querer comprar coisas que compramos, e, portanto, precisam de dinheiro. Algumas etnias estão buscando meios de vida que integrem sua cultura a essa nova necessidade.
É o caso do povo Paumari, que vive no sudoeste do Amazonas e está sendo pioneiro no manejo de pirarucu. Há 5 anos eles fazem o manejo de 23 lagos, e no final de setembro de 2014 realizaram a pesca de 3.523 kg de pirarucu legalizados pelo Ibama. A iniciativa é apoiada pelo projeto Raízes do Purus, realizado pela OPAN – Operação Amazônia Nativa com o patrocínio da Petrobras (saiba mais).
Outro exemplo de geração de renda aliado à sustentabilidade e à cultura vem da etnia Kisêdjê, que habita a Terra Indígena Wawi, anexa ao Parque Indígena do Xingu. Desde 2011 a comunidade participa de um projeto para produção e comercialização de óleo de pequi. Em 2013 foram produzidos 170 litros do óleo na mini usina contruída na aldeia Ngohwêrê. O projeto conta com o apoio técnico do ISA – Instituto Socioambiental e financeiro e organizacional do Instituto Bacuri e do Grupo Rezek (saiba mais).
Mentira nº 9: Nossa sociedade é mais avançada, não temos nada para aprender com os índios
Todo mundo sabe que a cultura brasileira tem influência indígena. Com eles aprendemos diversas palavras, o respeito à natureza e o hábito de tomar banho todos os dias, certo? No entanto, para cada elogio existe um contraponto: “índio que fala português não é mais índio”, “antes índio era inocente, agora índio só pensa em dinheiro” e a pior frase de todas: “índio fede”.
Essa mentira é muito comum: “índio fede”. Não, o que fede é o preconceito. Índio tem cheiro de óleo de tucum, de urucum e jenipapo, tem cheiro de fogo feito em casa, de peixe assado, de suor de quem trabalha, de banho de rio, de sabonete e de perfume comprado em shopping.
Enchemos o peito para dizer que o Brasil é um país lindo, rico em minérios, com uma biodiversidade impressionante e com muita fartura de água. Mas seguimos exaurindo os nossos recursos naturais perseguindo um desejo de crescimento que parece nunca ter fim, como se os recursos naturais fossem infinitos. Mas saibam, recursos naturais chegam ao fim.
Estamos sacrificando nossa diversidade biológica e cultural para enriquecer ainda mais quem já é rico. E os índios, que são o símbolo maior de uma vida sustentável, que são os grandes conhecedores da biodiversidade brasileira, tão pouco conhecida pelos cientistas, estão sendo desprezados.
Enquanto se desmata incessantemente a Amazônia e o Cerrado, desaparecem espécies de plantas que poderiam ser utilizadas para tratar inúmeras doenças, conhecidas ou não. Enquanto se pratica o genocídio e se mantém os indígenas como reféns do “progresso”, infinitas possibilidades de conhecimento vão desaparecendo e os brasileiros não se dão conta.
Mas fora do Brasil, há quem esteja bem atento às nossas riquezas. Em 2013, quatro coreanos foram presos em Canarana (MT) por biopirataria no Parque Indígena do Xingu. Eles fizeram um acordo com os Kamaiurá, do Alto Xingu, e pagaram para obter 10 quilos de raízes e plantas usadas pelos índios para fins cosméticos. Os coreanos viviam nos Estados Unidos e um deles trabalhava para uma empresa de cosméticos. O acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, sua proteção e a repartição de benefícios associados é regido pela Medida Provisória nº 2186/16, de 23 de agosto 2001 (saiba mais).
E não se trata apenas de conhecimentos da natureza, mas até mesmo de uma nova estrutura econômica e social, de um novo jeito de fazer política, de tomar decisões, de olhar para nós mesmos, para nossos semelhantes e para aqueles que são diferentes. Ninguém quer ouvir as contribuições que o pensamento indígena pode trazer.
O racismo é uma voz que sussurra ao ouvido dizendo que os índios são mais “atrasados” que a gente. Como se o “desenvolvimento” fosse uma linha única para toda a humanidade, como se nossa sociedade fosse um exemplo a ser seguido. Já que nós gostamos tanto de olhar para nosso umbigo, vejamos também o que o nosso “desenvolvimento” tem gerado: produção de lixo, contaminação e esgotamento de água, desigualdade social, violência e por aí vai…
Mentira nº 10: Os índios atrasam o desenvolvimento do País
Mesmo que no mundo todo cada vez mais aumente a preocupação ambiental, o Brasil continua com a mesma ideologia que balança no centro de nossa bandeira, nossa palavra de ordem é o progresso.
Um progresso desesperado, que não pode dar o tempo para fazer o estudo de impacto ambiental, que não pode analisar as possibilidades de redução de danos, um progresso que chega custe o que custar, e que agora, mais do que nunca, quer explorar os recursos das Terras Indígenas.
O principal aspecto a ser considerado é que os grandes donos do poder econômico (os setores bancário, armamentista, minerário, farmacêutico, da construção civil, do agronegócio etc.) possuem interesse em divulgar uma imagem negativa dos indígenas. As grandes corporações tomaram conta da arena política e querem a qualquer custo convencer a nação de que “é preciso crescer e os índios atrasam o desenvolvimento do País”. Na lógica deles é mais importante plantar soja para a China do que preservar as nascentes brasileiras.
O cenário que se apresenta hoje aos povos indígenas é pior do que o do índio que avistou Cabral em 1500. A partir de 2015, teremos o Congresso mais conservador desde 1964, e especialmente, mais anti-indígena. Foram eleitos 273 deputados federais e senadores considerados ruralistas, o que representa um aumento de 33% em relação à legislatura atual, que conta com 205 ruralistas. Várias investidas avarentas da bancada ruralista ganharão força, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, a PEC 237, o Projeto de Lei (PL) 1.610, o PL 227/2012 e a Portaria 303, de iniciativa da Advocacia Geral da União (AGU).
Estas iniciativas tratam de temas como demarcação de Terras Indígenas, posse indireta de Terras Indígenas a produtores rurais na forma de concessão e exploração e aproveitamento de recursos naturais em Terras Indígenas (minérios, recursos hídricos, florestais, etc.), independe de consulta às comunidades afetadas. Além de irem contra a legislação vigente e preceitos universais, elas são cruelmente orquestradas para que se perpetue no país o ódio aos indígenas (saiba mais).
Mas se engana quem pensa que os indígenas assistem a isso calados. Os últimos anos foram anos de luta. Em maio de 2014, povos indígenas de todo o país reuniram-se em Brasília para a Mobilização Nacional Indígena, com atos e manifestações contra os ataques aos seus direitos garantidos pela Constituição Federal (saiba mais). E seguem lutando diariamente.
Mas se engana quem pensa que os indígenas assistem a isso calados. Os últimos anos foram anos de luta. Em maio de 2014, povos indígenas de todo o país reuniram-se em Brasília para a Mobilização Nacional Indígena, com atos e manifestações contra os ataques aos seus direitos garantidos pela Constituição Federal (saiba mais). E seguem lutando diariamente.
Os indígenas têm o direito de viverem em seus territórios. Já temos no país muitas terras para a criação de gado e o plantio de monoculturas, concentrada nas mãos de poucas pessoas. Desenvolvimento é bom, mas de qualquer jeito, não. Não podemos admitir um desenvolvimento que desrespeite leis, culturas e provoque mais desigualdade social.
Os indígenas devem poder escolher se desejam se beneficiar do desenvolvimento e de que forma, ou se preferem nem se envolver. Mas eles não podem continuar sendo desrespeitados em nome do interesse econômico.
Não precisamos de um crescimento desrespeitoso, realizado sem estudos de impacto ambiental, social e cultural. Tampouco necessitamos da malícia de políticos e da mídia. Precisamos sim tirar a venda dos olhos e enxergar o índio realmente, pois são mentiras e preconceitos que atrasam a evolução humana.
O desenvolvimento deve ser bom para todos. A paz entre os povos, já prevista em nossa Constituição Federal, deve ir além da diplomacia e incluir os que vivem em solo pátrio.
Tenhamos amor!
O Índio seria aquele ser pertencente a uma comunidade indígena, sendo esta, segundo a Constituição da Republica Federativa do Brasil, um grupo local pertencente a um povo que se considera segmento distinto da sociedade nacional, por conta da consciência de sua continuidade histórica em sociedades pré-coloniais.
Sobre essa questão, o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro definiu o indígena como: “Aquela parcela da população brasileira que apresenta problemas de inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. Ou, ainda mais amplamente: índio é todo o indivíduo reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se identifica etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com quem está em contato.”.
A primeira terra indígena reconhecida legalmente no Brasil foi o Parque do Xingu, em 1961. Nos anos 1970 e 1980, houve uma grande mobilização em torno da defesa dos índios, que culminou nos direitos da Constituiçãode 1988. "Índio é terra, não dá para separar", dizia um cartaz da época. A partir daí, grandes áreas foram demarcadas, tentando respeitar os territórios tradicionalmente ocupados pelos índios. A maior de todas é a yanomami, com mais de 9 milhões de hectares, situada entre Roraima e o Amazonas, demarcada em 1992 depois que um genocídio perpetrado por garimpeiros mobilizou a sociedade. Mas nem todo índio ocupa seu território original. Muitos povos foram desalojados. A ocupação da terra é dinâmica, com histórico de violência e lutas desde o início da conquista pelos europeus e das primeiras entradas dos bandeirantes no interior. Mais recentemente, essas lutas passaram a envolver os interesses de empresas de vários setores.
O legislador Constituinte de 1988 buscou cercar de todas as formas esse direito fundamental dos índios e consequentemente trataram de maneira diferenciada os indígenas. De acordo com o artigo 231 da CRFB/88: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A Fundação Nacional do Índio – FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil.
Cabe à FUNAI promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A FUNAI também coordena e implementa as políticas de proteção aos povos isolados e recém-contatados.
É, ainda, seu papel promover políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável das populações indígenas. Nesse campo, a FUNAI promove ações de etnodesenvolvimento, conservação e a recuperação do meio ambiente nas terras indígenas, além de atuar no controle e mitigação de possíveis impactos ambientais decorrentes de interferências externas às terras indígenas.
A atuação da FUNAI está orientada por diversos princípios, dentre os quais se destaca o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, buscando o alcance da plena autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no Brasil, contribuindo para a consolidação do Estado democrático e pluriétnico.
DESENVOLVIMENTO
Apesar da importância da demarcação de terras indígenas para os povos Indígenas e para a sociedade Brasileira, muito dos laudos de demarcação de terras da FUNAI estão sendo recusados pela Justiça Brasileira. Nesse contexto, o agronegócio parece ter grande influencia nessa questão.
Primeiramente é preciso entender como é feita a demarcação de terras indígenas no Brasil. O árduo processo de demarcação de terras, que se desenrola em vários momentos, é um processo administrativo que possui a iniciativa e orientação da FUNAI (órgão federal vinculado ao Ministério da Justiça, com fins de assistência ao índio). Para demarcação das terras, o momento inicial é o da chamada identificação, segundo o Decreto 1.775/96.
É nessa identificação que um grupo determinado busca o reconhecimento de sua presença histórica em determinada área e, ainda, o reconhecimento da identidade indígena. Após esse momento, a FUNAI, juntamente com grupo técnico de trabalho composto por técnicos do seu órgão - do INCRA e/ou da secretaria estadual de terras da localização do imóvel - farão estudos etnohistoriográficos, demográficos e sociológicos, além de levantamento cartográfico e fundiário da região onde se encontram, ou seja, são realizados estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais que fundamentam a delimitação da terra indígena.
Ciente dessas informações, a FUNAI elaborará propostas de criação da área indígena, no qual um grupo técnico, criado pela mesma, irá apresentar relatório apontando o que caracteriza a terra indígena a ser demarcada. Esses são os momentos de identificação e delimitação.
Se o presidente da FUNAI aprovar o relatório, então o mesmo será destinado à publicação, com o respectivo memorial e mapa da área.
Depois de publicado o relatório de identificação e delimitação da terra indígena, qualquer interessado, conforme os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa poderão ingressar, no prazo de 90 dias, contestações para a FUNAI, explicitando as razões pelas quais discorda das conclusões do grupo técnico ou pleitear indenizações que achar conveniente.
Vale ressaltar que o instrumento que contiver a manifestação deve conter documento probatório pertinente, assim sendo: títulos dominais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas.
Após apreciar as alegações de terceiros interessados, a FUNAI elaborará parecer e encaminhará a proposta de demarcação para o Ministro da Justiça. Se este aprovar os trabalhos apresentados, então, expede-se Portaria que declarará a área de demarcação indígena e a obrigação de demarcar com a colocação física de sinais de delimitação. É neste momento que a FUNAI deve proceder ao reassentamento dos ocupantes não índios.
Depois de tudo isso vem a chamada homologação, quando ocorre a ratificação formal do processo de demarcação e dos limites da área indígena pelo Presidente da República através de decreto.
Após a homologação, é feito então o registro (como propriedade da União), em livro próprio da Secretaria do Patrimônio e no cartório da comarca em que se localizar.
Por fim, é feito uma regularização fundiária, na qual a FUNAI irá averiguar a “desintrusão” da terra indígena da presença de ocupantes não índios, bem como solucionar possíveis pendências judiciais envolvendo títulos de propriedade incidentes sobre as áreas indígenas e ações possessórias por terceiros.
Sobre o tema, a Suprema Corte brasileira atenta para a seriedade, legitimidade e veracidade do processo administrativo de demarcação de terras, o qual, após homologação pelo Presidente da República, passa a se revestir de natureza declaratória e auto executoriedade.
O fato é que a demarcação de terras indígenas tem gerado muita discussão e ganhado maior relevância no cenário politico nacional principalmente pelo crescimento do agronegócio.
Agronegócio é toda relação comercial e industrial envolvendo a cadeia produtiva agrícola ou pecuária.
Atualmente o Brasil indígena segundo o IBGE com base nas pessoas que se declararam indígenas no quesito cor ou raça e para os residentes em terras indígenas que não se declararam, mas se consideram indígenas. O censo 2010 revelou que das 896 mil pessoas que se declararam ou se consideravam indígenas, 572 mil ou 63,8%, viviam na área rural e 517 mil, ou 57,5% moravam em terras indígenas oficialmente reconhecidas.
Nesse contexto, percebe-se também o quão é de extrema importância o papel da terra para os indígenas. A terra dá identidade ao índio. Sendo assim, esta tem um valor de sobrevivência física e cultural.
Daniel Sarmento afirma que essas comunidades possuem a terra como importantíssimo meio para manter a união do grupo, permitindo, dessa forma, a sua continuidade ao longo do tempo, assim como a preservação da cultura, dos valores e de seu modo particular de vida dentro da comunidade.
A demarcação das terras indígenas também beneficia, indiretamente, a sociedade, pois a garantia e a efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas contribuem para a construção de uma sociedade pluriétnica e multicultural. Além disso, a proteção ao patrimônio histórico e cultural brasileiro. As terras indígenas são áreas fundamentais para a reprodução física e cultural dos povos indígenas, com a manutenção de seus modos de vida tradicionais, saberes e expressões culturais únicos, enriquecendo o patrimônio cultural brasileiro.
Sistematização sobre o tratamento das terras indígenas no atual texto constitucional, com análise da jurisprudência do STF.
1. BREVE HISTÓRICO DA PROTEÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A primeira Constituição a dispor sobre a proteção aos indígenas foi a de 1934, que assegurou o respeito à posse das terras em que se achassem permanentemente localizados, as quais não poderiam ser alienadas.
As Constituições de 1937 e 1946 repetiram as mesmas disposições, ou seja, requeriam a permanência do índio na terra como pressuposto indispensável à proteção possessória.
A Carta de 1967 trouxe uma significativa alteração no regramento constitucional, pois, ao invés da localização permanente, passou a exigir como pressuposto para a posse indígena a mera habitação da terra, estabelecendo, ainda, que as terras ocupadas pelos silvícolas seriam bens da União.
A Emenda n. 1 de 1969 ampliou consideravelmente a proteção dos territórios indígenas, na medida em que estipulou a inalienabilidade, o usufruto exclusivo e a nulidade e a extinção de efeitos jurídicos dos atos cujo objeto fosse as terras dos índios.
Finalmente, na Constituição de 1988 abandonou-se a idéia, reiterada nas Constituições anteriores, de incorporação ou integração dos índios à sociedade nacional. Houve uma ampliação significativa da proteção dos direitos dos índios, tratados em capítulo próprio, o qual descarta definitivamente qualquer conceito civilista de terra indígena, cujo reconhecimento passou a ser fundamentado em direito congênito.
2. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE TERRA INDÍGENA NA ATUAL CONSTITUIÇÃO
O art. 231 da Constituição Federal estabelece:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Da simples leitura do caput do art. 231, nota-se que a Constituição de 1988 adotou posição protecionista em relação aos índios, garantindo o respeito ao direito das populações indígenas de preservar sua identidade própria e cultura diferenciada.
Analisando tal dispositivo, anota Souza Filho[1]:
A Constituição de 1988 reconhece aos índios o direito de ser índio, de manter-se como índio, com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Além disso, reconhece o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Esta concepção é nova, e juridicamente revolucionária, porque rompe com a repetida visão integracionista. A partir de outubro de 1988, o índio, no Brasil, tem o direito de ser índio.
O Ministro Ayres Britto, em julgamento relacionado à demarcação de terras indígenas, faz interessante análise da expressão “terras indígenas” adotada pela Constituição Federal:
"Somente o ‘território’ enquanto categoria jurídico-política é que se põe como o preciso âmbito espacial de incidência de uma dada Ordem Jurídica soberana, ou autônoma. O substantivo ‘terras’ é termo que assume compostura nitidamente sociocultural, e não política. A Constituição teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas, tão só, em ‘terras indígenas’. A traduzir que os ‘grupos’, ‘organizações’, ‘populações’ ou ‘comunidades’ indígenas não constituem pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se orne de dimensão política. Daí não se reconhecer a qualquer das organizações sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente antropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como ‘Nação’, ‘País’, ‘Pátria’, ‘território nacional’ ou ‘povo’ independente. Sendo de fácil percepção que todas às vezes em que a Constituição de 1988 tratou de ‘nacionalidade’ e dos demais vocábulos aspeados (País, Pátria, território nacional e povo) foi para se referir ao Brasil por inteiro. (...) Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as ‘imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar’ e ainda aquelas que se revelarem ‘necessárias à reprodução física e cultural’ de cada qual das comunidades étnico-indígenas, ‘segundo seus usos, costumes e tradições’ (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não índios). (...) A Constituição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação, da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O próprio conceito do chamado ‘princípio da proporcionalidade’, quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo."[2]
O parágrafo primeiro do artigo 231, transcrito acima, define o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, elencando quatro critérios, baseados nas finalidades práticas da ocupação tradicional, para considerar determinada área como indígena: as habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar, e, as necessárias à sua reprodução física-cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Assim, com o advento da Constituição de 1988, passou-se a reconhecer não apenas a ocupação física das áreas habitadas pelos silvícolas, mas a ocupação tradicional do território indígena reconhecendo-o como toda a extensão de terra necessária à manutenção e preservação cultural de cada grupo.
2.1 O INDIGENATO E A TRADICIONALIDADE COMO CRITÉRIOS PARA A CONCEITUAÇÃO DE TERRA INDÍGENA
Ao tratar das terras indígenas, a Constituição fala expressamente em direito originário e ocupação tradicional.
Por direito originário entende-se que a posse indígena é fundada no instituto do indigenato, cujo maior defensor é João Mendes Junior[3]. Para ele, o indigenato está relacionado à noção de posse imemorial e não se confunde com a ocupação, constituindo fonte primária e congênita da posse territorial, por isso legítimo por si, dispensando legitimação. Neste sentido, Tércio Sampaio[4] discorre que os direitos dos índios às terras ocupadas são originários e não adquiridos, na medida em que não ocorre uma incorporação ao seu patrimônio.
José Afonso[5] revela que o indigenato é instituto jurídico luso-brasileiro, com origem nos tempos do Brasil Colônia, quando o alvará Régio de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que nas terras outorgadas particulares, seria sempre preservado o direito dos índios, primários e naturais a senhores dela.
Interessante anotar que a idéia do indigenato, apesar de majoritária[6], não foi pacificamente aceita pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A divergência ficou evidenciada na posição do Ministro Menezes Direito emanada em sede voto-vista[7] aonde defende a teoria do fato indígena como fundamento da posse dos índios às terras ocupadas, fixando a promulgação da Constituição de 1988 como critério temporal para a posse. Segundo o Ministro, “a aferição do fato indígena em 5 de outubro envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades de investigação imemorial da ocupação indígena”[8].
A Constituição vincula também como requisito para a concessão do direito à terra aos índios a ocupação tradicional.
A tradicionalidade está ligada aos aspectos culturais do uso da terra, que representa valor indispensável à sobrevivência do índio, seja como fator para atender as necessidades humanas (agricultura de subsistência, preservação do meio ambiente), seja como lugar para exercício de suas práticas culturais. Sem a garantia da posse da terra pode ocorrer a morte física ou cultural, com a desintegração dos costumes e rituais, perda da identidade étnica, dissolução dos vínculos históricos, sociais e antropológicos, além da erosão da sua consciência enquanto povo.
Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal entendeu por restringir o alcance do termo “tradicionalmente”, conforme se constata da súmula n. 650, segundo a qual “os incisos I e XI do art. 20 da CF não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”.
Assim, o direito às terras ocupadas pelo índio independe de titulação, pois é originário e precede quaisquer outros direitos existentes, consubstanciando fator essencial para a sobrevivência física e cultural desses povos.
3. TITULARIDADE DAS TERRAS INDÍGENAS
O art. 20 da Constituição Federal inclui as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios no rol de bens pertencentes à União:
Art. 20. São bens da União:[...]XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Por serem espécie de bem público[9], as terras indígenas são dotadas das características de inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade, o que veio expressamente previsto no texto constitucional:
Art. 231. [...]§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
O objetivo de manter o domínio da União sobre esses territórios consiste em resguarda-los, retirando a possibilidade dos direitos indígenas ficarem ao sabor dos fenômenos políticos locais[10]. É incumbência da União demarcar, proteger e preservar essas áreas:
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União Federal. [...]. A Carta Política, com a outorga dominial atribuída à União, criou, para esta, uma propriedade vinculada ou reservada, que se destina a garantir aos índios o exercício dos direitos que lhes foram reconhecidos constitucionalmente (CF, art. 231, § 2º, § 3º e § 7º), visando, desse modo, a proporcionar às comunidades indígenas bem-estar e condições necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. [11]
É de se ressaltar que o domínio da União sobre as terras indígenas não impede a atuação dos Estados e Municípios para a prestação de direitos sociais às comunidades indígenas, tais como saúde e educação, desde que haja compatibilidade com as diretrizes traçadas pela União Federal:
Assente, pois, que as terras indígenas se inscrevem entre os bens da União, [...] nem por isso os índios nelas permanentemente situados deixam de manter vínculos jurídicos com os Estados e Municípios que as envolvam. Como sucede, aliás, com toda população radicada no território brasileiro, a entretecer com a União e os nossos Estados e Municípios (além do Distrito Federal, conforme o caso) relações jurídicas tanto de proteção como de controle, notadamente nos setores da saúde, educação, meio ambiente e segurança pública, aqui embutidas as atividades de defesa civil. [...] Também é de se afirmar, com todo vigor, que a atuação complementar de Estado e Municípios em terras já demarcadas como indígenas há de se fazer em regime de concerto com a União e sob liderança desta. [12]
Portanto, a titularidade da União sobre as terras indígenas implica no dever de proteção desses espaços, inclusive pelos Estados e Municípios, de modo a garantir o livre exercício pelo índio da sua cultura.
4. NATUREZA JURÍDICA DAS TERRAS INDÍGENAS
Os territórios indígenas, no tratamento que lhes foi dado pelo texto constitucional, são concebidos como espaços indispensáveis ao exercício de direitos identitários desses grupos étnicos, sendo as noções de etnia, cultura e território, em larga medida, indissociáveis. Resulta inequívoca, portanto, a diferença substancial entre a propriedade privada – espaço excludente e marcado pela nota da individualidade – e o território indígena – espaço de acolhimento, em que o indivíduo encontra-se referido aos que o cercam.[13]
Como uma das características principais do sistema territorial indígena figura a posse coletiva, pois compartilhada entre os membros da comunidade ou tribo. Analisando essa característica, poder-se-ia pensar na composse, que é [14] do Código Civil. Entretanto, é de se considerar que a posse indígena é muito diferente da posse civil, uma vez que esta exige o singular poder de fato sobre a terra para seu gozo e guarda, e aquela preconiza a tradicionalidade e permanência, revelando vínculos de valores culturais.
Como domínio da União, as terras indígenas são bens públicos. Entretanto o legislador brasileiro não foi claro quanto à espécie de bem público a que pertencem, porquanto daqueles bens relacionados no art. 99 do Código Civil, a saber, uso comum do povo, uso especial e dominical, nenhum se amolda seguramente às terras indígenas, a considerar suas peculiaridades especiais atribuídas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional, o que enseja grande divergência na doutrina acerca da natureza jurídica das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
A grande maioria da doutrina, principalmente os administrativistas, tais como Hely Lopes Meirelles[15], Carvalho Filho[16] e Di Pietro[17] defende que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constituem bens públicos de uso especial, vez que “nessas áreas existe a afetação a uma finalidade pública” [18].
Entretanto, há quem defenda[19] que as terras indígenas são bens públicos dominicais.
Por outro lado, alguns entendem que as áreas tradicionalmente ocupadas pelos índios não possuem inteiramente natureza administrativa, tampouco civil, tratando-se de instituto peculiar.
Neste sentido, Souza Filho leciona que as terras indígenas não se enquadram nos institutos estabelecidos pelo ordenamento jurídico, pois “[...] a lei brasileira logrou criar uma situação especial para os povos indígenas e seus territórios, fazendo-os de propriedade pública, estatal, e posse privada, mas coletiva, não identificável individualmente”. [20]
5. USUFRUTO DAS TERRAS INDÍGENAS
Eis o art. 231, §2º da Constituição Federal:
Art. 231 [...]§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
A União possui a propriedade das terras indígenas, entretanto, a Constituição Federal garante ao indígena a posse direta e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos, o que José Afonso[21] denominou de “posse imediata de usufrutuário”.
O atributo de exclusividade previsto pelo texto constitucional significa que a exploração dos recursos naturais existentes em terra indígena só poderá ser feita pelos próprios índios e nunca por não-índios.
Além disso, a jurisprudência do STF limitou ainda mais essa exclusividade, entendendo que ela diz respeito apenas aos índios pertencentes à etnia ocupante da terra, o que o Ministro Carlos Ayres Britto denominou de exclusividade monoétnica[22].
5.1 O USUFRUTO EXCLUSIVO DOS ÍNDIOS COMO INSTITUTO DIVERSO DO USUFRUTO CIVIL
O conceito clássico, nascido do Direito Romano, prega que o usufruto é o de direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhe os frutos, ressalvada sua substância[23].
O atual Código Civil, diferente do diploma anterior de 1916, que preceituava o usufruto como “direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”, não apresenta uma conceituação do instituto, entretanto estabelece suas características, dentre as quais podemos citar: ter por objeto a coisa alheia, a transferência de poderes inerentes do domínio e a temporariedade.
Com base nas mencionadas características, conclui-se, de pronto, inclusive de acordo com o que já foi exposto alhures neste trabalho, que, a despeito de ambos permitirem a percepção dos frutos e o gozo de utilidades do bem, o usufruto exclusivo das terras indígenas não se confunde com o preceituado pelo direito civil.
O usufruto indígena tem fundamento na posse das terras ocupadas, que, por sua vez, é o fato legitimador da propriedade da União.
Assim, ele tem a peculiaridade de não existir uma propriedade antecedente, vez que tem origem em direito congênito, sendo anterior à própria noção de propriedade, por isso dispensa qualquer ato de registro ou outorga.
Neste sentido, o §6º do art. 231 da CF dispõe:
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
De acordo com o artigo acima, são nulos quaisquer atos que tratem sobre ocupação, domínio ou posse por terceiros, bem como sobre a exploração dos recursos do solo, rios e lagos nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, exceto no caso de relevante interesse público da União. O dispositivo afirma, ainda, que a nulidade e extinção não geram direito de indenização ou de ação contra a União, salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
Ademais, diferente do usufruto civil, não há que se falar em limitação temporal ao direito de usufruto das terras ocupadas pelos índios e suas comunidades. Trata-se, portanto, de direito com caráter perpétuo.
Assim, o usufruto exclusivo dos índios as terras ocupadas não pode ser comparado ao usufruto civil.
5.2 EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS EM TERRAS INDÍGENAS
Como visto, a Constituição não proíbe a exploração dos recursos naturais eventualmente existentes nas áreas em que estejam situadas as terras indígenas, mas exige que essa exploração seja feita, a princípio, pelo próprio índio.
Na verdade, a utilização desses recursos naturais torna-se indispensável para a sobrevivência das populações que habitam as terras indígenas, pois, diferente da sociedade civilizada, os silvícolas vinculam-se à terra de maneira coletiva e sem apego econômico[24], utilizando-a como meio de subsistência e como lugar para o exercício de sua cultura.
Sem aprofundar na análise das normas infraconstitucionais[25], vez que não é objeto específico desse artigo, consigna-se que o usufruto indígena engloba os direitos à agricultura, à pecuária, ao extrativismo vegetal e à caça e pesca, dentre outros que sejam necessários à sobrevivência física e cultural.
A exclusividade do usufruto não abarca o aproveitamento dos recursos hídricos, potenciais energéticos e as riquezas minerais, que, na forma do art. 49, XVI e do §3º do art. 231 da CF, exige a prévia autorização do Congresso Nacional:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;Art. 231.[...]§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
Outrossim, além de autorização do Poder Legislativo Federal, a norma transcrita determina a oitiva das comunidades afetadas e o direito de participação nos resultados da lavra.
Segundo o STF[26], a competência exclusiva do Congresso Nacional deve ser exercida mediante decreto legislativo.
Cumpre destacar que, segundo o art. 176[27], caput, da Constituição Federal, os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, podendo, portanto, ser exploradas por terceiros com autorização do Congresso Nacional e desde que na forma do §1º e §3º do mesmo art. 176:
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento autorizada poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas§ 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
Cumpre registrar que o mencionado art. 231, §3º, estabelece a necessidade de lei regulamentadora da participação das comunidades indígenas nos resultados da lavra, que, entretanto, ainda não foi editada pelo Poder Legislativo[28], o que inviabiliza a exploração de minérios em terra indígena[29].
Pela previsão do §7º do art. 231 da Constituição Federal veda-se a aplicação do art. 174, §§3º e 4º[30] da Constituição Federal às terras indígenas:
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
A leitura dos §§3º e 7º do art. 231 demonstra que a Constituição estabeleceu uma clara distinção no tratamento jurídico dado à mineração e a atividade garimpeira em terras indígenas. Diante das referidas disposições, conclui-se não ser permitida a garimpagem[31] por não-índios em terras indígenas, ao passo que a mineração[32] por terceiros é permitida, mas está sujeita a condições específicas.
Anote-se que é possível a atividade garimpeira de subsistência realizada pelo próprio indígena[33]. Confirmando esse posicionamento, recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade das populações indígenas realizarem extrativismo mineral na forma tradicional, para fins de artesanato, sem objetivo econômico, independentemente de autorização do Congresso Nacional.[34]
A demarcação das terras é direito fundamental dos índios e a omissão do Poder Público propicia toda sorte de violência à cultura, crenças e organização social desses povos. Diante disso, o Poder Judiciário tem atuado de forma a corrigir essa distorção.
Resumo: A questão fundiária dos povos indígenas tem sido recorrente nos noticiários nacionais. O órgão nacional incumbido de promover a demarcação das terras indígenas mostra-se incapaz de atender essas demandas de modo eficiente, provocando o aumento das tensões entre índios e grupos econômicos interessados na exploração de suas terras. Com base nesse cenário, este artigo objetiva apontar os efeitos negativos que a demora da demarcação das terras indígenas tem provocado nas comunidades do Médio e Baixo Rio Negro. A demarcação das terras é direito fundamental dos índios e a omissão do Poder Público propicia toda sorte de violência à cultura, costumes, tradições, crenças e organização social desses povos. Diante disso, o Poder Judiciário tem atuado de forma a corrigir essas distorções funcionais, desde que instado pelo Ministério Público Federal (MPF). Entretanto, a questão principal reside na ineficiência da Administração Pública Federal na condução do seu mister, qual seja, a concretização do processodemarcatório. O desvirtuamento do órgão executivo não pode ser tolerado e continuar sendo corrigido pelo Poder Judiciário, sob pena de as populações indígenas atuais não verem seu legado transmitido às futuras gerações. A metodologia utilizada na presente pesquisa foi bibliográfica, com método indutivo e qualitativo, apoiada em notícias da mídia jornalística, doutrina, legislação, jurisprudência e julgados recentes da Justiça Federal.
Sumário: 1. Introdução. 2. Direitos Fundamentais dos Povos Indígenas. 3. A Demarcação das Terras Indígenas do Baixo e Médio Rio Negro. 4. A Tutela Judicial nas Demarcações de Terras Indígenas. 5. Conclusão. 6. Referências.
Palavras-chave: direitos fundamentais; demarcação das terras indígenas; ação civil pública.
1. INTRODUÇÃO
A demarcação das terras indígenas é um procedimento complexo regulado pelo decreto federal nº 1.775/1996. Requer o trabalho de várias pessoas com conhecimentos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e de levantamento fundiário, coordenados por um antropólogo. Conquanto não exista um prazo legal para a conclusão desses estudos, não pode ser evitado o comando constitucional do inciso LXVIII do artigo 5º da Carta Política, que prevê a razoável duração dos processos administrativos. A realidade tem mostrado que órgão de assistência indígena, Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ainda afetada por uma grave crise institucional, não tem cumprido o seu mister de promover de forma racional a demarcação das terras dos índios, especialmente no Médio e Baixo Rio Negro, Estado do Amazonas. Justifica-se essa pesquisa, pois a mora do Poder Executivo nas demarcações tem acarretado diversos efeitos indesejados nas comunidades por violação do direito fundamental às terras tradicionalmente por eles ocupadas. A questão fundiária indígena é fator de sobrevivência física, cultural, econômica e espiritual desses povos. Sensível a esse problema, o Poder Judiciário atua para minimizar tais efeitos, conquanto não possa substituir a Administração Pública que deve corrigir sua atuação para preservar a autonomia e independência dos Poderes.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS
Os Direitos Fundamentais representam uma classe especial de direitos. Conforme a doutrina de nosso país são conquistas fundamentais da população tendo sido elevados à categoria de normas constitucionais. Em determinado momento da vida política do Estado, houve-se por bem cobri-los com o manto da Lei Maior para que não fossem suscetíveis de ataques por normas de menor expressão jurídica. Foi assim que o Poder Constituinte, ao elaborou a nossa Carta Política em 1988 tratou desses direitos. A CF/1988 propõe no Título II uma classificação não exaustiva desses direitos: direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos. O certo é que essa classe de direitos não se encerra apenas nesse título e pode ser encontrada dispersa pelo texto constitucional ou ainda decorrer de tratados internacionais, conforme prevê o § 2º da Carta Magna. Fora desse título, podem-se indicar os direitos fundamentais relativos ao meio ambiente, à família e à criança, aos adolescentes, jovens e idosos, aos índios, todos no Título VIII da Ordem Social. Portanto, a identificação desse tipo de direito na nossa Carta Política deve ser feita através da análise do conteúdo da regra constitucional. Se a norma contiver matéria de cunho individual ou coletivo, então estamos diante de direitos fundamentais do ser humano. São direitos essenciais por uma questão de escolha legislativa, que espelha as necessidades sociais do seu tempo. Decorrentes de um processo lento, mas inexorável, de reconhecimento do mínimo necessário para a existência digna do ser humano em suas relações na sociedade. Como mecanismo de autopreservação e limitação do Poder Público, esses direitos têm sua gênese nos direitos naturais ou, sob outra roupagem, nos direitos humanos. Mesmo sabendo que o ideal dos jusnaturalistas encontra-se desgastado na atualidade, não se pode olvidar a contribuição que essa corrente doutrinária trouxe para a conquista desses direitos. Segundo esse ideal, o ser humano não cria direitos intrínsecos a sua condição de ser vivo. Os direitos humanos existem, porque o ser humano existe. Por exemplo, as crianças têm o direito de brincar, serem protegidas pelos seus familiares e se desenvolverem plenamente no seu ambiente infantil. Esse direito foi criado pela civilização Ocidental ou sempre existiu desde que o Homem se entende como ser racional? Foi certo negar às crianças das gerações passadas esses direitos? Ou ainda, as famílias delas achavam correto ver seus filhos subjugados nos chãos frios e imundos da Revolução Industrial Inglesa? Esses questionamentos podem ser expandidos para outras questões relativas aos jovens, adultos e idosos de todos os tempos, conforme os preceitos da liberdade, igualdade e solidariedade. A resposta será única: “Ninguém, em qualquer fase de seu desenvolvimento, e em momento histórico algum, gosta de sofrer maus-tratos, opressões, humilhações e quaisquer outras formas de violência, que o aniquilem ou provoquem profunda dor”. Essa resposta resume a concepção naturalista dos direitos humanos, tão importantes para a existência do ser humano que são universalmente aceitos e defendidos. É certo que nem sempre foram reconhecidos, o que provocou várias rebeliões e guerras no decorrer da História. Mas não se pode dizer que não existiam, ou que foram criados em determinadas épocas, pois eram, são e sempre serão anseios da sociedade. Elevados à categoria de direitos garantidos pela Lei Maior, assumiram a condição de direitos fundamentais, sem excluir outros direitos, que, embora não sejam essenciais para vida humana, são importantes para reger a ordem social de um Estado.
Outro aspecto merece atenção no que se refere à relatividade dos direitos fundamentais. Os direitos ora tratados não são absolutos a ponto de prevalecerem sempre. Haverá situações em que será necessária a ponderação desses para a manutenção da ordem social. Ou seja, havendo colisão entre os direitos fundamentais, será feita sua confrontação com os interesses coletivos, que prevalecem em relação aos particulares. Para Alexandre de Moraes (2013, página 30), “o interprete deve utilizar-se dos princípios da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros”. Assim sendo, a liberdade de expressão não é ilimitada, pois ninguém pode exercer esse direito de forma a prejudicar direitos de terceiros sem se responsabilizar por isso. Os direitos fundamentais não servem de escudo para o indivíduo afrontar a sociedade em que vive. Nenhum direito fundamental será anulado, mas sua eficácia pode ser ligeira e momentaneamente reduzida para não sufocar outro direito, também fundamental. Assim se mantém a solidez do sistema jurídico, refletindo o intérprete no caso concreto para sopesar o que deve sobressair aos outros.
Quanto à sua aplicabilidade, são direitos imediatos, conforme preconiza o § 1º do artigo 5º da Carta Política. Somente a própria constituição pode estabelecer restrições no campo desses direitos ou permitir ao legislador infraconstitucional a sua regulamentação, desde que seja preservado o seu núcleo material, a sua essência. Sendo assim, não se concebe a possibilidade de desfiguração da norma fundamental subvertendo o espírito da Lei Maior.
Agora fica fácil entender que os direitos humanos não são diferentes para quem vive na cidade, na zona rural ou nas florestas. Também não eram desconhecidos das civilizações mais remotas na História. Certo que as diferenças socioculturais implicarão em ações públicas diferentes, mas, ao final, o efeito pretendido será o mesmo. Por exemplo, o direito fundamental à vida: o cidadão urbano não tem apego a terra onde mora podendo ser deslocado para outra casa, bairro, cidade, Estado ou outro país, onde facilmente se adaptará sem influenciar na sua vontade de continuar vivendo. Com as populações indígenas isso não é verdadeiro em função da sua estreita ligação com o meio ambiente em que vive. Para muitos povos aborígenes, a terra natal transcende a existência física e se comunica com a vida espiritual presente e de seus antepassados. A sua concepção de vida está arraigada a terra. Retirá-los do seu ambiente, pode significar o rompimento do elo que os mantém espiritualmente animados a viver. Vivem assim por séculos. As tentativas de sua integração têm-se revelado frustrantes na maioria das vezes. Destarte o direito a viver é inerente a qualquer ser humano, entretanto a atuação do Poder Público para garantir esse desiderato será diferente, conforme a concepção que os povos têm desse direito. No “Encontro de Espiritualidade dos Povos Indígenas”, por ocasião da celebração dos 100 anos das Irmãs Lauritas, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, nos dias 10 a 14 de maio de 2014 foi feita a declaração[1]:
“Nós, povos tradicionais, levantamos nossas vozes em defesa de nossa mãe! Nossos territórios sagrados de onde brota nossa vida, nossa origem. Os povos indígenas vivenciam um período histórico de negação de direitos territoriais. O modelo de desenvolvimentista adotado pela economia mundial, altamente extrativista-exportador nos veem como empecilho ao dito “desenvolvimento”, “progresso” e nossas comunidades como sinônimo de retrocesso social”.
Sensível a essa realidade, a nossa constituição fundamentou a conquista desse direito em virtude da ocupação originária e tradicional dessas terras pelos índios. Foi reconhecido que esses povos têm direito à posse das terras que ocupam tradicionalmente, como instrumento de perpetuação de seu modo de vida. Têm o usufruto, haja vista que a União é a detentora da nua-propriedade (artigos 20, inciso XI, e 231, § 2º da CF/1988). Quaisquer atos que visem à ocupação, ao domínio ou a posse das terras indígenas devem ser considerados nulos, portanto sem efeitos no mundo jurídico. Não são suscetíveis de reparação pecuniária, salvo quanto às benfeitorias decorrentes da boa-fé. Sendo um direito fundamental, deve receber a devida tutela do poder público, que, especificamente na questão indigenista, tem obrigações positivas (fazer) e obrigações negativas (não fazer), conforme os dispositivos constitucionais que preveem a demarcação das terras e a proteção desses grupos étnicos.
O direito originário dos índios à posse das terras foi cristalinamente reconhecido pelo Egrégio STF no caso da demarcação da Raposa Serra do Sol:
“DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF). (Caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol - Pet 3388 / RR, Min. CARLOS BRITTO, 19/03/2009).
Dito isso, chega-se à conclusão de que a relação entre os índios e a sua terra não é alcançada pelo Código Civil, pois excede o conceito privatista de função social da propriedade. A área utilizada pelos índios para manifestação cultural, caça, pesca e cultivo, e todas as atividades de manutenção de sua organização social e econômica determinarão a posse das terras. Ou seja, a terra dos índios não é apenas terra no sentido físico. Transcende à cultura ocidental o conceito de terra que povos indígenas alcançaram. Segundo essas culturas, a natureza é a sua fonte de vida e espiritualidade. Seus costumes estão visceralmente ligados à interação com o meio ambiente em que vivem. Não dá para desvincular o índio da terra sem violentar sua alma. Essa coexistência é tão frágil que afeta diretamente a vontade de viver dessas pessoas.
Os povos indígenas sofreram ao longo do processo de conquista e colonização do território brasileiro um verdadeiro “genocídio” físico e intelectual, porém, o advento da Constituição Federal de 1988, reconhecendo direitos fundamentais peculiares a esses povos, mudou o rumo da sua história. No campo do Direito Internacional também se verificou uma mudança de pensamento culminando com a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, durante a 76ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989. Ratificada pelo Congresso Nacional Brasileiro, através do Decreto Legislativo nº 143, somente em 20 de junho de 2002, os setores interessados em sua aprovação conseguiram superar o impasse, não obstante as críticas dos setores políticos mais conservadores, que enxergavam na convenção uma porta aberta para que povos indígenas declarassem independência e fracionassem o território brasileiro.
Embora os tratados internacionais tenham força de lei ordinária em nosso país, é indiscutível a natureza especial oriunda da sua origem, tornando-os diferentes de simples leis ordinárias na sua forma de incorporação ao ordenamento jurídico pátrio, operação, revogação e reclamação. Para boa parte da doutrina, os tratados internacionais devem ser interpretados como normas de hierarquia intermediária, na medida em que são inferiores às normas constitucionais, mas adequadamente interpretadas como superiores às normas ordinárias, como forma de manter o respeito que a República Brasileira assumiu perante o Direito Internacional[2]. Conforme assevera Valério Mazzuoli: “Seria fácil burlar todo o pactuado internacionalmente se por disposições legislativas internas fosse possível modificar tais normas. Se um Estado se obriga livremente a cumprir um acordo internacional, como explicar possa ele editar leis contrárias a todo o pactuado?”. Entendendo que a Convenção 169 da OIT está nessa posição intermediária em nosso sistema jurídico e tem força vinculante, tal norma internacional traz em seu bojo várias proposições de caráter obrigatório para os países signatários, com o objetivo de orientar as ações dos governos em matéria indígena. Como exemplo dessas propostas tem-se o princípio da autonomia de identificação como critério de determinação da condição de índio; o direito de consulta sobre medidas legislativas e administrativas que possam afetar os seus direitos; o direito de participação dos povos indígenas nas instituições eletivas e órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem; o direito a decidirem suas próprias prioridades de desenvolvimento, bem como o direito de participarem da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que lhes afetem diretamente; o direito a serem beneficiados pela distribuição de terras adicionais, quando as terras de que disponham sejam insuficientes para garantir-lhe o indispensável a uma existência digna ou para fazer frente a seu possível crescimento numérico; e o direito a terem facilitadas a comunicação e cooperação entre os povos indígenas através das fronteiras, inclusive por meio de acordo internacionais. Especial atenção deve ser dada ao artigo 13 dessa convenção, pois retrata de forma bastante completa a relação índio-terra:
“Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que, para as culturas e valores espirituais dos povos interessados, possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. 2.A utilização do termo "terras" nos artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de território, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma”.
Outrora, nenhum dos acordos internacionais de proteção dos direitos humanos dos índios foi tão significativo quanto a Convenção 169 da OIT. Essa declaração serve de fundamento para as principais discussões em torno dos direitos humanos desses povos e constitui-se no único instrumento internacional de caráter vinculante para o Brasil devido a sua ratificação. Hoje a luta é pela real aplicação da convenção, estando superada a questão da validade jurídica.
Retornando à Carta Política de 1988, nesse cenário de proteção da diversidade dos costumes, crenças, tradições e organização social dos povos da floresta, buscou o legislador priorizar a demarcação das suas terras. Com esse propósito, estabeleceu prazo de 5 (cinco) anos para que a União concluísse os trabalhos demarcatórios (artigo 67 do ADCT). As linhas gerais do processo administrativo de demarcação das terras indígenas foram escritas na lei nº 6.001 de 1973 (Estatuto do Índio), bem como no decreto nº 1.775 de 1996. A legislação infraconstitucional atribuiu competência à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para iniciar, orientar e executar a demarcação das terras. O início do processo demarcatório se dá por meio da identificação e delimitação da área tradicionalmente ocupada pelos aborígenes. Para esse mister é formado um grupo de trabalho composto por técnicos da FUNAI que elaboraram os estudos antropológicos e de natureza etnográfica, histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário. Esses levantamentos devem caracterizar e fundamentar a terra como tradicionalmente ocupada pelos índios interessados, que precisam participar ativamente de todas as fases da identificação e delimitação da terra a ser administrativamente reconhecida como condição de validade do processo. Os técnicos fazem os estudos e levantamentos em campo, nos centros de documentação, nos órgãos fundiários municipais, estaduais e federais, e em cartórios de registros de imóveis, visando à elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área estudada, base para o ato administrativo de demarcação. Sendo o processo demarcatório aprovado pelo Presidente da FUNAI, a área é declarada de ocupação tradicional do grupo indígena através de portaria do Ministro da Justiça publicada no Diário Oficial da União, reconhecendo-se, assim, formal e objetivamente, o direito originário indígena sobre uma específica extensão do território brasileiro.
Durante a segundametade do século XX, o Brasil apresentou duas políticas indigenistas: o modelo protecionista e o modelo integracionista. A primeira defendia que as comunidades indígenas deveriam ser protegidas pelo Poder Público contra as frentes de expansão, mediante uma criação de reserva nacional para que as mesmas se preparassem gradualmente a uma integração com a nossa sociedade, teve base no pensamento do Marechal Candido da Silva Rondon e institucionalizado pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Recebendo impulso para a criação do Parque Nacional do Xingu, defendida pelos irmãos Villas Bôas, a fim de uma política de proteção às comunidades.Entretanto, com o advento da ditadura militar, foi claro o propósito estratégico de uma implantação integracionista que preconizava que as comunidades fossem rapidamente integradas economicamente às sociedades brasileiras como reserva de mão-de-obra ou como produtora de mercadorias, dando impulso à economia regional e, assim, poderiam integrar-se às regiões desenvolvidas do país. Nesse sentido, para combater o subdesenvolvimento era preciso uma abertura à exploração da economia na Amazônia, denominada de Operação Amazonas.
É inegável a contradição na aproximação do índio com o civilizado. A mesma proporciona aos ditos primitivos melhorias nas condições de vida com nosso estilo de vida, incluindo juízos e valores. Ao mesmo tempo em que não podemos deixar de reconhecer e aceitar uma cultura diferente, nós impomos nossas práticas e costumes e concepções de mundo e significado de vida. Assim, transformando o diferente em algo semelhante, repelindo os valores diferentes. No caso dos índios, trata-se de negar traços e padrões inexistentes em nós. Dessa forma, os civilizadores proporcionam aos índios a desfragmentação de sua organização social e costumes. Essa transfiguração étnica aniquila a autenticidade cultural dos índios.
A partir no final do século XIX e início do século XX, os índios passaram a ser considerados gente, e graças ao marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, começaram a receber proteção do Estado pela SPI, e, a partir daí, ficaram na condição de menor. As terras que antes estavam sob domínio dos índios passaram a pertencer à União, e, desde então, mesmo com a posse imemorial, os índios não tinham propriedade plena das terras, e, mesmo conseguindo usufruir das terras ocupadas, não escaparam das invasões.
Diante do problema referente à ocupação das terras, cada vez mais os índios foram se interiorizando, tendo como consequência uma nova luta com os grupos que já ocupavam as terras para as quais eles estavam indo. O Estado, como tutor das comunidades indígenas, desenvolveu uma política protecionista (pejorativamente chamada de paternalismo). Alguns estudiosos eram contra tal política, pois acreditavam que o correto seria deixar os índios terem decisão de seu destino e, mais tarde, o próprio órgão de proteção se posicionaria contra, alegando que os índios deveriam conquistar com o próprio esforço tudo aquilo que deseja ou necessita.
Orlando e Claudio Villas Bôas defenderam a ideia de que se deve conscientizar o índio de seus valores tribais, da identidade cultural, do crescente apego à terra, às tradições e tudo que pudesse constituir uma espécie de defesa contra seus novos vizinhos, que têm interesses muito diferentes, sendo loucos por terras e querendo encontrar no índio mão de obra barata e sem os devidos direitos. Ou seja, é uma habilitação/conscientização do índio para que este possa se integrar à sociedade nacional (o povo brasileiro).
Sem tal conscientização os índios passariam a ser manipulados, de modo que, agindo de acordo com os interesses estranhos às suas comunidades, seriam alvo fácil de uma politização negativa. Daí a importância de uma preparação prévia para a entrada efetiva e autônoma desse grupo na sociedade nacional. Além disso, o êxodo e a dispersão dos grupos como resultado de tudo isso seria evitado.
A questão histórica, no Brasil, é que a pressão do colonizador de origem europeia foi forçando as populações primitivas – indígenas – a recuar para as vastas regiões do interior, que, neste momento, estão sendo atingidas pelas chamadas rodovias de ‘’integração nacional’’.
Costuma-se dizer que, no Brasil, a contribuição cultural do índio foi irrelevante, no entanto, a participação ativa do índio e de seu descendente na formação territorial do país foi simplesmente decisiva, uma vez que, sem eles, não teria havido as grandes bandeiras de povos estranhos. O índio contribuiu ainda – em escala maior do que geralmente se acredita – para a formação étnica do povo brasileiro.
Há também o grave problema de relacionamento entre o índio e o civilizado. De que forma se poderiam conciliar as duas sociedades: uma estável, ajustada ao meio e equilibrada; e a outra desordenada. A solução apontada é a integração do índio na sociedade civilizada. Entretanto, uma pergunta muito simples seria o suficiente para desestabilizar essa teoria; integram o que? Os pequenos e dispersos grupos de peões? A saudável comunidade formada por seringueiros? Ou fazer com que o índio, abandonando a unidade tribal, venha a transformar-se em mão de obra nos empreendimentos surgidos nas terras que antes constituíam seus próprios domínios? Atraídos pelos civilizados, os índios são, muitas vezes, persuadidos a abandonar as aldeias para residir nas fazendas, onde sempre, e automaticamente, perdem a autonomia. Os índios passam a viver isolados no sertão, transformando-se em objeto de exploração indiscriminada.
Para que isso não ocorra, é necessário que o meio ambiente seja preservado como espaço vital para as grandes gerações que nos sucederão. A civilização tem alicerces fundados na contribuição de todos os povos. Hoje, construindo um Brasil novo, sem a preocupação de transformá-lo numa grande potência, mas, sim, num país de ambiência humana.
A Constituição Federal de 1988 foi inovadora em relação às anteriores, pois apresentou autonomia diante dos sistemas econômicos e políticos, e, também, por reconhecer as organizações sociais das comunidades indígenas, como costume, línguas, crenças e tradições, e o amplo tratamento dos territórios em que ocupam, o que foi o mais certo a se fazer.
Atualmente vivemos em uma situação parecida com o que ocorreu no passado: a construção de tecnologias em terras indígenas – no século XX, foi a rodovia TransAmazônia; hoje é a usina hidrelétrica Belo Monte (que se encontra no alto do rio Xingu). Os índios que moram nessa área lutaram pelo impedimento da obra, porém, assim como no passado, ela se manteve, pois visa o desenvolvimento das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
Mesmo que existam diversas tribos indígenas que já foram dominadas pela civilização, perdendo parcialmente ou totalmente seus territórios (as tribos integradas e as extintas) para o Estado e latifundiários, elas ainda reivindicam seu poder de propriedade de terras, pois têm o direito de possuir um espaço para a comunidade praticar suas culturas e valores sem a intervenção do homem civilizado, direito já previsto pela Constituição Federal de 1988.
BIBLIOGRAFIA
DAVIS, S.; MENGET, Patrick. Povos primitivos e ideologias civilizadas no Brasil. In: JUNQUEIRA, Carmen; CARVALHO, Edgard de A. Antropologia e indigenismo na América Latina. São Paulo: Cortez. 1981.
VILLAS BÔAS, O.; VILLAS BÔAS, C. Contradições da aproximação do índio com o “civilizado”. In: VILLAS BÔAS FILHO, O. (Org.) Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros. São Paulo, Metalivros, 2006, p. 116-119.
VILLAS BÔAS O.; VILLAS BÔAS, C. Proteccionismo, conscientização e politização. In: VILLAS BÔAS FILHO, O. (Org.) Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros. São Paulo, Metalivros, 2006, p. 119-123.
VILLAS BÔAS, O. Integrar em quê? In: VILLAS BÔAS FILHO, O. (Org.) Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros. São Paulo, Metalivros, 2006, p. 123-130.
http://axa.org.br/reportagem/as-10-mentiras-mais-contadas-sobre-os-indigenas/
https://suedlucas.jusbrasil.com.br/artigos/203413790/os-conflitos-acerca-da-demarcacao-de-terras-indigenas
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