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terça-feira, 25 de abril de 2017

Conflitos pelo Uso da Terra: ìndios

Protesto indígenaNessa edição: conflito sobre o uso das terras: índios

Pelo 5º ano, Brasil é líder em mortes em conflitos de terra; Rondônia é Estado mais violento no campo



Conflito por terra entre fazendeiros e índios se acirra no Mato Grosso do Sul


Indígenas ocupam área em processo de demarcação e acusam produtores de atacá-los





Indígenas de diversas etnias em audiência pública na Câmara em maio.  CÂMARA DOS DEPUTADOS
Indígenas de diversas etnias em audiência pública na Câmara em maio. O conflito agrário entre índios e produtores rurais de Mato Grosso do Sul, que tem deixado um rastro de vítimas nos últimos anos na região centro-oeste do país, voltou a se acirrar. Na última semana, cerca de 70 indígenas das etnias guarani e kaiowá ocuparam duas fazendas em disputa e foram atacados. Dois jovens de 14 e 12 anos ficaram desaparecidos por cinco dias e a Força Nacional, tropa do Governo Federal formada por Policiais Militares de diversos Estados, foi enviada ao local.

O recente conflito aconteceu no município de Coronel Sapucaia, próximo à fronteira com o Paraguai, onde ficam as fazendas Madama e Barra Bonita. As propriedades estão entre as quatro que foram alvos na última semana da chamada “retomada”, expressão usada pelos índios para definir a ocupação de uma área que já pertenceu a seus ancestrais. "Esses grupos, insatisfeitos com a morosidade do processo demarcatório das terras indígenas, optaram por ampliar a ocupação de áreas que compõem o território tradicional reivindicado pelas comunidades", explicou ao EL PAÍS a Fundação Nacional do Índio (Funai). Nas outras duas fazendas, no município vizinho de Aral Moreira, não houve confrontos até o momento; em 2011, Nísio Gomes, uma liderança indígena, foi assassinado no local. Essas áreas são reivindicadas pelos índios e estão sendo estudadas pela Funai.
As fazendas Madama e Barra Bonita foram ocupadas na madrugada do último dia 23 pelos índios da comunidade Kurusu Ambá. A área está em disputa desde 2007, quando índios da mesma comunidade fizeram uma primeira retomada. Na ocasião, uma líder, a rezadeira Xurite Lopes, foi assassinada a tiros –uma das sete lideranças indígenas que foram mortas na região nos últimos dez anos, de acordo com dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Assustada, a comunidade deixou a área e passou a viver num acampamento precário improvisado ali perto, a espera de uma definição sobre a demarcação.




O processo, entretanto, não avançou. O estudo encomendado pela Funai foi finalizado pela antropóloga contratada, que considerou a área como um terreno de ocupação tradicional indígena, mas não houve nenhuma decisão final do órgão, conta o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi, do Ministério Público Federal em Ponta Porã, que acompanha o caso e responsabiliza o Ministério da Justiça pela situação de calamidade no Estado. O ministério diz que o estudo ainda não foi concluído, “portanto não e possível afirmar que se trata de uma terra indígena”.
Ao entrarem nas fazendas, os índios montaram acampamento na mesma área onde Xurite fora assassinada. Um dia depois, um grupo de homens atacou o local, de acordo com os indígenas e com a Funai. "No dia 24, aproximadamente 30 veículos de produtores rurais da região ameaçaram os indígenas, com tiros para o alto e acelerando os veículos. Há informações de que algumas motos pertencentes aos indígenas foram queimadas, bem como algumas casas, roupas e outros pertences. Não houve confirmações de indígenas mortos", explicou o órgão, que relata ainda que servidores que estavam na cidade por ocasião de outro evento sofreram ameaças, mas não detalhou quais.
Na correria, Tiego, 12 anos, e Geremia, 14, sumiram. Segundo Matias Benno Rempel, missionário do CIMI, que está em contato com os índios do local, eles foram encontrados cinco dias depois, a 20 quilômetros do local, debilitados por terem ficado tanto tempo na mata, mas já passam bem. O procurador Ardenghi esteve na região dias depois do ataque para ajudar na negociação e afirma que encontrou "uma grande quantidade de cartuchos" de arma de fogo.No momento, os índios permanecem em uma área das fazendas, mas a sede foi retomada por um grupo formado por 35 fazendeiros, que decidiu fazer uma espécie de reintegração de posse com as próprias mãos. Ainda não há decisão judicial. “Agora virou cada um por si, uma terra sem lei. Meu receio é que eles comecem a fazer isso por conta própria porque vai virar uma guerra”, afirma o procurador. A pedido do Governo do Mato Grosso do Sul, a Força Nacional foi enviada para a área para reforçar a segurança no local.






Criança indígena na área da fazenda Madama. CIMI


Aguinaldo Ribeiro, dono da fazenda Madama, afirma que a ação dos fazendeiros foi pacífica. “No dia 24 os produtores da região revoltados com tamanha barbárie se deslocaram até a área invadida com seus veículos em carreata, soltando fogos de artifícios com o objetivo de retomar área. Não foi usada força que pudesse ferir qualquer pessoa”, afirmou ele ao EL PAÍS, por e-mail. Ele também enviou fotos em que mostra os cômodos da fazenda revirados. “Os produtores não são contra os indígenas ou qualquer tipo de minoria. Somos todos vítimas e reféns da ausência do Estado. Vivenciamos um quadro de abandono aos direitos tanto dos produtores como das comunidades indígenas que vivem na miséria e sem perspectivas”, completou ele.

Negociação

O conflito na região é apenas mais um capítulo de uma trama de contexto complicado e sem qualquer sinal de solução breve. No Estado, atualmente, 88 fazendas estão ocupadas por indígenas no processo de retomada, segundo informações da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul). Todas são áreas reivindicadas pelos índios, parte delas já foi reconhecida como tal por estudos antropológicos e algumas já estão, inclusive, demarcadas como áreas indígenas.
O problema é que muitas dessas terras, de onde os indígenas foram expulsos durante décadas pelo poder público, foram vendidas para fazendeiros pelo próprio Estado. A fazenda Madama, por exemplo, é titulada há quase cem anos. Com a titularidade das terras em mãos, os proprietários recorrem à Justiça para impedir que sejam retirados da propriedade sem que o Governo federal pague pelo terreno –por lei, o poder público só pode pagar pelas benfeitorias feitas na terra.
O impasse parecia estar perto de uma solução quando o Ministério da Justiça montou uma mesa de negociação com fazendeiros do município de Sidrolândia, onde fica a fazenda Buriti, um dos principais símbolos desse conflito que se arrasta há anos. No local, um índio Terena foi assassinado em 2013, durante uma ação de reintegração de posse acompanhada pela Polícia Federal. A repercussão do caso foi tanta que o Governo decidiu iniciar a negociação e oferecer dinheiro por Buriti e outras 30 propriedades do entorno que são áreas de ocupação tradicional indígena comprovadas. O objetivo era que o entendimento na negociação fosse ampliado para uma série de outras propriedades em disputa no Estado que já estão em processo adiantado de demarcação –não é o caso da Madama, que está ainda na etapa inicial, de estudo.
No entanto, depois de dois anos de discussão, Ministério da Justiça e fazendeiros não chegaram a um acordo sobre o valor das terras. “Quando o acordo estava pronto para ser assinado, os fazendeiros abandonaram a mesa de negociações”, disse o órgão federal. “O valor oferecido pelo ministério era equivalente a 55% do que era pedido pelos produtores e que já estava muito abaixo do preço do mercado. O Governo não quis fechar o circuito das negociações”, acusa Carlo Daniel Coldibelli, assessor jurídico da Famasul que acompanhou o processo.
Nos bastidores, há quem acuse os produtores de terem sabotado a negociação com medo de que se pudesse abrir precedentes para outras ocupações de terra por indígenas. Os fazendeiros passaram a preferir apostar no lobby no Congresso para apoiar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215) que pretende mudar a forma como as demarcações de terras indígenas é feita –ao invés de passar pela Funai, pelo Ministério da Justiça e pela sanção presidencial, os deputados avaliariam caso a caso na própria Câmara, o que pararia completamente o processo de demarcações na visão dos indigenistas. A PEC também obrigaria o Governo a pagar pelas terras e pelas benfeitorias nos casos de desapropriação para terra indígena. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já afirmou que a aprovação da proposta é uma prioridade.



Esses grupos, insatisfeitos com a morosidade do processo demarcatório das terras indígenas, optaram por ampliar a ocupação de áreas que compõem o território tradicional 
FUNAI

“O clima era de confiança em relação as mesas de negociação. Os indígenas estavam confiantes. Mas a mesa não avançou e o Ministério da Justiça paralisou o estudo de identificação de todas as outras áreas. A responsabilidade por esse conflito fundiário é do próprio Ministério da Justiça. Falta vontade política”, ressalta o procurador da República.
O ministério, por sua vez, afirma que os processos de demarcação não estão parados. “A orientação do ministro da Justiça é tentar partir para um processo de negociação e mediação dos conflitos, já que da última vez em que não houve mediação [Buriti], o resultado gerou grave conflito e até morte”, afirmou o órgão, por e-mail.
Nos próximos dias, disse o ministério, o Governo divulgará uma portaria anunciando a criação de um grupo de trabalho que terá o objetivo de realizar diagnósticos e propor soluções para a redução dos conflitos fundiários envolvendo povos indígenas. O grupo será coordenado pelo ministro Justiça, José Eduardo Cardozo, e terá integrantes de nove ministérios, incluindo o da Fazenda, o de Orçamento e Gestão e a Advocacia Geral da União.
Há muito os problemas que atingem os povos indígenas em Mato Grosso do Sul ganharam manchete na imprensa regional, nacional e internacional. Todos os anos índios são mortos e nada é feito de objetivo para mudar a realidade. Autoridades eleitas pelo povo, como vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, prefeitos e governador, mandato após mandato e salvo honrosas excessões, simplificam o problema. Ao fazerem isso, rechaçam o enfrentamento da questão fundiária, causa maior dos conflitos entre fazendeiros e comunidades indígenas.

Além disso, não raramente recorrem ao argumento de culpar instituições alhures pelo etnocídio ou genocídio cultural em andamento no estado: Supremo Tribunal Federal, Governo Federal, Ministério da Justiça, ONGs, Presidência da República, Conselho Indigenista Missionário, Ministério Público Federal, forças alienígenas que desejariam se apoderar do Aquífero Guarani etc. Repetidas vezes, de maneira costumeira, utilizam de sofismas dos mais variados para distorcer a realidade e formar opinião pública contrária à regularização das terras indígenas no país.Ao fazerem isso, essas autoridades se isentam de quaisquer responsabilidades, terceirizam o problema e lavam as mãos. Afirmam que é a União, e basicamente ela, que pode e deve solucionar os conflitos pela posse da terra, desde que assim o faça a favor dos fazendeiros, aqueles que possuem títulos de propriedade privada da terra e por vezes financiam campanhas eleitorais e projetos de poder.A questão fundiária, por sua vez, é um problema muito antigo e suas origens remontam aos séculos 18, 19 e 20, quando se deu a origem da propriedade privada da terra na região. Com o final da chamada Guerra do Paraguai (1864-1870), o antigo sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, passou a ser mais rapidamente colonizado por migrantes oriundos de outras partes do Brasil, além de imigrantes vindos de além-mar e paízes vizinhos. Desde então o espaço regional se configurou como palco de muitos conflitos pela posse da terra, especialmente quando comunidades indígenas tiveram seus territórios invadidos por fazendeiros e militares desmobilizados do exército imperial. A documentação oficial da época, como os relatórios da Diretória dos Índios da Província de Mato Grosso, comprova a situação. Contudo, sem os povos originários esta parte da bacia platina não estaria incorporada ao território nacional.
Foi graças às alianças com os indígenas, feitas desde o século 18, que Portugal estabeleceu sua hegemonia na porção central da América do Sul. Posteriormente, quando o Brasil tornou-se Estado-nação, as alianças permaneceram durante o período imperial. Exemplo disso foi o protagonismo que os indígenas tiveram na defesa do território nacional durante a Guerra do Paraguai. Autores renomados como o Visconde de Taunay, apenas para citar um exemplo, extenderam-se sobre o assunto e teceram elogios à participação dos Terena, Kinikinao, Kadiwéu, Guató e outros povos que, sozinhos ou ao lado do exército imperial, combateram as tropas invasoras do Paraguai na década de 1860.
Com o fim do conflito bélico platino houve a expansão da fronteira pastoril e, consequentemente, o aumento da titulação dolosa de territórios indígenas a favor de terceiros. A partir de então os povos originários passaram a ter suas terras usurpadas e via de regra não tinham a quem recorrer. Esta é uma das marcas colonialistas da formação do Estado Brasileiro e da propriedade privada da terra em Mato Grosso do Sul.
Neste contexto foi ainda imposto aos Guarani, Kaiowá, Terena e outros indígenas uma forma perversa de exploração da força de trabalho, análoga à escravidão moderna, baseada no conhecido sistema do barracão. Durante a primeira metade do século 20, muitos fazendeiros tinham transformado milhares de indígenas na principal mão-de-obra a ser explorada nas propriedades rurais que eram organizadas no antigo sul de Mato Grosso. Esta situação é verificada na fronteira com o Paraguai e a Bolívia, na Serra de Maracaju e em praticamente todo o estado.
Milhares de indígenas passaram a trabalhar na condição de vaqueiros e em outras atividades econômicas, tais como: lavoura, colheita e preparo da erva-mate, exploração de ipecacuanha, transporte fluvial etc. Muitas mulheres foram ainda “pegas a laço”, violentadas e forçadas a se casar com não-índios, história esta presente na memória de muitos dos antigos (sul) mato-grossenses. Apesar disso tudo, os índios pouco usufruiram das riquezas que produziram e passaram a viver em situações cada vez mais difíceis, sobremaneira quando suas roças foram invadidas pelo gado e os fazendeiros mandaram derrubar as matas existentes em seus territórios. Depois de formadas as propriedades rurais, especiamente entre os anos de 1950 a 1970, a mão-de-obra indígena foi dispensada de muitas fazendas.
Neste contexto histórico, marcado pela expansão do agronegócio no Centro-Oeste, dezenas de comunidades indígenas, as quais ainda conseguiam viver no fundo das fazendas, foram expulsas das terras de ocupação tradicional. Este processo de esbulho foi concluído na década de 1980.
No começo do século 20, Cândido Mariano da Silva Rondon, posteriormente conhecido como Marechal Rondon, à frente da Comissão de Linhas Telegráficas do Estado de Mato Grosso, deixou registrado os ataques que fazendeiros desfechavam contra os indígenas, como ocorria na bacia do rio Taboco. Em suas palavras: “[...] eivados da falsa noção de que o índio deve ser tratado e exterminado como uma fera contra o qual devem fazer convergir todas as suas armas de guerra, os fazendeiros ao invés de reconciliarem-se com os silvícolas trucidavam homens, mulheres e crianças e aprisionando os que não havia logrado fugir”.
Segundo Rondon, não contentes com os assassinatos, alguns fazendeiros “abriam os ventres de índias que se achavam em adiantado estado de gravidez”. Ações desta natureza são definidas como etnocídio e persistem, com outras roupagens, até o tempo presente. Por isso em Mato Grosso do Sul os indígenas são percebidos por muitos como não-humanos, chamados pejorativamente de “bugres”.
Dessa forma, no âmbito da constituição do Estado Brasileiro e da formação da sociedade nacional, foram registradas sucessivas tentativas de exploração, dominação e até extermínio contra os povos indígenas. À medida que se estabeleceram na região, fazendeiros incorporaram territórios indígenas ao seu patrimônio. Muitos conseguiram isso requerendo junto às autoridades estaduais, sem muitas dificuldades e por meio pouco ortodoxos, títulos de propriedade privada da terra. Muitas áreas atingiam um tamanho tal que era demarcada vagamente em função da particularidade geográfica de cada região: córregos, rios, morros etc. Embora tivessem logrado a titularidade de vastas extensões, frequentemente não tomaram posse imediata das terras, onde comunidades indígenas conseguiram permanecer, de maneira mansa e pacífica, por décadas sem grandes infortúnios.
À frente desses fazendeiros emergiu um grupo de proprietários de terra que se enriqueceu ao longo dos anos e, aproveitando-se da influência que tinham nos governos municipais, estadual e federal, ganhou poderes sobre pessoas e coisas. Mais ainda, promoveu todo tipo de violação dos direitos elementares dos povos indígenas. Constituiu-se, assim, uma elite ruralista com muita influência nos poderes constituídos na República, isto é, no próprio Estado Brasileiro. Seus feitos são enaltecidos por uma historiografia colonialista, geralmente financiada com dinheiro público, ligada à construção de uma história oficial e de uma identidade sul-mato-grossense, geralmente em oposição à de Mato Grosso, particularmente de Cuiabá.
Assim, no tempo presente observamos mais uma situação de conflitos entre ruralistas e comunidades Guarani, Kaiowá e Terena. O resultado disso foi mais um indígena assassinado durante a retomada de uma área oficialmente declarada como terra indígena, chamada Ñande Ru Marangatu, localizada no município de Antônio João, na fronteira com o Paraguai. Sobre o assunto, até o momento nenhuma autoridade esclareceu de onde veio o tiro que no dia 29 de agosto de 2015 ceifou a vida do Kaiowá Simeão Fernandes Vilhalba, 24 anos. A julgar pelo histórico do assassinato de indígenas no estado, como aconteceu com Nelson Franco (1952) e Marçal de Souza (1983), este será mais um caso em que os criminosos permanecerão impunes.
As autoridades máximas estaduais, com destaque para o governador do estado, em tese teriam a obrigação de contribuir positivamente para a elucidação dos fatos e repressão a todo tipo de violência armada contra povos originários. Trata-se de uma responsabilidade inerente ao cargo para o qual foram eleitos e em defesa do Estado Democrático de Direito, cujo conceito não se limita à defesa da propriedade privada da terra e da classe social à qual pertencem. Todavia, uma conduta desse tipo é incompatível com o protagonismo que certas autoridades tiveram no chamado Leilão da Resistência, ação planejada e executada por ruralistas para arrecadar fundos e financiar ações contra a retomada de terras indígenas, com a contratação de milícias armadas, tal qual noticiado pela imprensa desde 2013.
Por isso em Mato Grosso do Sul há uma situação peculiar da qual parte da população do estado não sente orgulho: quem não é fazendeiro, será tratado como boi bagual e, portanto, como não-humano ou animal selvagem, sobretudo os povos originários, comunidades tradicionais e segmentos de classes sociais em situação de vulnerabilidade social.
(*) Jorge Eremites de Oliveira é doutor em História (Arqueologia) pela PUCRS e docente da Universidade Federal de Pelotas e Paulo Marcos Esselin é doutor em História (História Ibero-Americana) pela PUCRS e docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Manifestação promovida pela Hutukara para retirada dos fazendeiros da região do Ajarani, Terra Indígena Yanomami
Manifestação promovida pela Hutukara para retirada dos fazendeiros da região do Ajarani, Terra Indígena Yanomami
Foto: Moreno Saraiva/ISA, 2013.
direito indígena à terra, garantido pela Constituição de 1988, é um direito originário, anterior à criação do próprio Estado - reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil. Mas ainda hoje esse direito está sob ameaça.
Apesar de a carta magna ter definido que até 1993 o governo brasileiro deveria demarcar todas as terras indígenas, de acordo com o critério de ocupação tradicional das terras, a determinação está longe de ser cumprida. Agora, além de sofrer com a lentidão na efetivação de seus direitos, os povos indígenas são alvo dos sistemáticos e violentos ataques arquitetados pela bancada ruralista.
Após as votações do Código Florestal, parlamentares dessa bancada — diretamente ligada aos interesses de latifundiários, empresas e confederações do agronegócio — voltaram suas canetas a projetos de lei que visam extinguir direitos já adquiridos, modificar (dificultar) o processo de reconhecimento das terras indígenas e criar possibilidades para a exploração dessas áreas por não-indígenas.
Nesse sentido, tramitam no Congresso e são discutidas em outras esferas governamentais várias medidas cuja extinção é uma das principais reivindicações do movimento indígena nacional:

Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000

Retira do poder Executivo a função de agente demarcador das terras indígenas ao incluir entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas. Deputados e senadores teriam o poder, inclusive, de rever e reverter demarcações antigas ou já encerradas. É de autoria de Almir Sá (PPB/RR), acompanhe a tramitação.
Veja notícias e análises desta proposição.

Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012

Considera de interesse público e pretende legalizar a existência de latifúndios, assentamentos rurais, cidades, estradas, empreendimentos econômicos, projetos de desenvolvimento, mineração, atividade madeireira, usinas e outros em terras indígenas. É de autoria de Homero Pereira (PSD/MT), acompanhe a tramitação.
Veja notícias e análises desta proposição.

Portaria 303/2012

Fixa uma interpretação sobre as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, estendendo a aplicação delas a todas as terras indígenas do país e fazendo retroagir “ad eternum” sua aplicabilidade. A portaria determina que os procedimentos de demarcação já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos. Foi editada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
Veja notícias e análises desta proposição.

PL 1610/1996

Dispõe sobre a mineração em terra indígena, considerando que “qualquer interessado” pode requerer autorização de lavra em terra indígena. O projeto não contempla satisfatoriamente o direito de consulta aos que serão afetados pela atividade minerária - a “consulta pública” prevista no PL não dá às comunidades afetadas a possibilidade de rejeitar a exploração mineral. O PL fragiliza também a avaliação ambiental dos empreendimentos, pois só exige estudos aprofundados ao final do empreendimento, quando ele já está praticamente aprovado. De autoria de Romero Jucá (PFL/RR), acompanhe a tramitação.
Veja notícias e análises desta proposição.


PEC 237/2013

Permite que produtores rurais tomem posse de terras indígenas por meio de concessão. Se aprovada, na prática a proposta oficializará atividades ilegais como a do arrendamento - que hoje é proibido em terras de usufruto exclusivo dos indígenas. Esta é a segunda proposta de autoria de Padovani sobre o tema e está em tramitação na Câmara. De autoria de Nelson Padovani (PSC/PR), acompanhe a tramitação.

Portaria 419/2011

Regulamenta prazos irrisórios para o trabalho e manifestação da Funai e demais órgãos incumbidos de elaborar pareceres em processos de licenciamento ambiental. Essa portaria visa agilizar a liberação de obras de infraestrutura em terras indígenas, incluindo grandes empreendimentos como hidrelétricas e abertura de estradas. Além do encurtamento de prazos, a portaria indica que devem ser consideradas terras indígenas apenas aquelas que tiverem seu perímetro já declarado no Diário Oficial, desconsiderando assim impactos ambientais sobre terras em processo de reconhecimento. De autoria do Poder Executivo, resolução dos Ministros de Meio Ambiente, Justiça, Cultura e Saúde.

Decreto 7957/2013

Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de um instrumento estatal para repressão militarizada a toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

[Março/2015]
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/30/politica/1435694180_792045.html
https://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/ameacas,-conflitos-e-polemicas/lista-de-ataques-ao-direito-indigena-a-terra
https://www.campograndenews.com.br/artigos/para-compreender-os-conflitos-entre-fazendeiros-e-indigenas-em-ms
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