Texto da Rio+20 ignora crise ecológica global, afirmam críticos
Rachel DuarteA grande expectativa da Conferência dos Povos pelo Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, era acordar com os 193 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU) a relação de futuro entre a economia e os recursos naturais do planeta. Depois de sete dias de negociação, os países apresentaram um texto com pontos em aberto e o saldo do evento, na visão de alguns críticos, acaba sendo superficial. “A ONU retirou o meio ambiente da conferência desde a concepção do evento. Não se discutiu até agora questões como a preservação da biodiversidade, melhora da qualidade da água e outras de real profundidade. Isto é ignorar que estamos vivendo uma crise ecológica global”, defende o professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) que retornou da Cúpula dos Povos nesta terça-feira (19).
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Brack conta que apesar dos esforços do Ministério das Relações Exteriores durante a madrugada, a falta de consenso sobre o documento deixou a articulação estratégica dos novos objetivos globais nas mãos dos líderes e diplomatas que se reunirão a partir desta quarta-feira (20), no Riocentro. “O Brasil teve que adotar o Plano B diante da falta de acordo. Agora, cada país irá apresentar as suas prioridades. Serão apontadas metas voluntárias e não compromissos concretos”, alerta o biólogo.
Entre os pontos de divergência do documento estão a questão do fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que alguns países defendiam uma elevação do programa para status de agência, o que não foi acertado. O secretário-geral da Rio+20, Sha Zukan, avaliou que o texto finalizado é “o melhor que se poderia conseguir”. Já o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, preferiu não entrar no mérito dos pontos que foram necessárias flexibilizações dos países em desenvolvimento. “Amanhã (quarta-feira) os líderes poderão detalhar todos os pontos e o discurso da presidenta Dilma Rousseff, tenho certeza que será eloquente”, afirmou.
Outro ponto bastante criticado por ativistas foi a não definição de valores claros de financiamento para as políticas sustentáveis e a desistência em criar um fundo específico para o desenvolvimento sustentável. A ideia do fundo era uma das propostas apresentadas pelo Brasil, em novembro passado, e deveria contar com o recurso inicial de US$ 30 bilhões e que até 2018 alcançaria US$ 100 bilhões. Os representantes dos países mais ricos vetaram a proposta, alegando dificuldades econômicas internas criadas pela crise econômica mundial.
As proposições do documento da Rio+20 são consideradas tímidas por alguns segmentos envolvidos na discussão. O Greenpeace, por exemplo, considerou o documento “patético”. “A negociação que foi até as 3 horas é um texto patético, uma traição, e é por isso que estamos chamando essa conferência não de Rio+20, mas, talvez, de Rio menos20”, afirmou o movimento, em nota.
Na avaliação do professor Paulo Brack, que representa a Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema), o momento da realização da Rio + 20 não é oportuno para os países em crise e nem para os movimentos sociais. “As ONGs estão passando por uma crise e há um esvaziamento político dos países da União Europeia. O evento que seria de reflexão não está servindo para isso. Se jogou para escanteio uma discussão que poderia ter sido enfrentada. Mas, ao que parece, os governos pactuam salvar o modelo capitalista”, critica.
Cúpula dos Povos vai apresentar documento paralelo
Se por um lado há pouca esperança de que em dois dias os chefes de estado salvem o futuro da humanidade, de outro, a Cúpula dos Povos, que reúne empresas e entidades no Aterro do Flamengo até o dia 23, poderá gerar acordos e documentos paralelos importantes.
Na inúmeras tendas, as discussões são concretas e apontam para as consideradas como verdadeiras ações de enfrentamento da emissão de gases do efeito estufa, nortear um desenvolvimento limpo e estipular os limites do crescimento econômico. Nas discussões, o conceito da ‘economia verde’ tem sido rechaçada. Documentos estão sendo redigidos e deverão ser entregues aos diplomatas.
“Há uma necessidade de esforço coletivo, não só dos governos. Algo para além da Rio+20. Todos devem se perguntar se vamos aguentar viver neste meio ambiente e o que vamos deixar para próxima geração. Meio ambiente não é só floresta em regiões serranas. É a natureza que nos traz benefícios, como remédios, água e comida. É importante que esta relação passe a ser compreendida, porque é a nossa sobrevivência que está em jogo”, alerta a diretora de Gestão do Conhecimento da S.O.S. Mata Atlântica, Márcia Hirota.
Para Márcia, o Brasil já possui o mapa para o caminho certo no enfrentamento da degradação do meio ambiente. Pela primeira vez, o IBGE divulgou números que mostram que a Mata Atlântica já perdeu 88% da sua área original – ou seja, restariam até 2010 apenas 12% do total. O levantamento também aponta que o desmatamento caiu a partir de 2004 na Amazônia, mesmo assim, a área devastada se aproxima hoje dos 20% da florestal original. “Eu venho acompanhando estes dados sistematicamente e de outros levantamentos que eles fazem. Muito do que havia em termos de desmatamento hoje não existe mais, porque o bioma Mata Atlântica tem legislação específica e a norma está popularizada na sociedade”, diz Márcia.
Os dados refletem ações positivas e negativas que precisam ser enfrentadas independente da Rio+20, na avaliação da diretora. “Tem dados sobre onde precisamos agir e fiscalizar para evitar os desmatamentos. Isto não se faz só em tempos de conferência dos povos”, salienta.
“Temos que mudar o olhar do desenvolvimento sustentável como vilão”, defende CNI
O setor industrial apresentou argumentos concretos no Encontro da Indústria e Sustentabilidade, dentro da Rio+20, para defender a tese da economia verde como visão de um futuro possível. De acordo com o balanço apresentado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), desde a Eco-92, a indústria brasileira conseguiu reduzir consideravelmente o impacto das atividades no meio ambiente. Foram apontados dados positivos em relação a diminuição das emissões de gases de efeito estufa, reciclagem com insumos renováveis e reaproveitando a água.
Revela o documento que a celulose e o papel produzidos no Brasil provêm integralmente de florestas plantadas, enquanto a indústria química reduziu em 47% suas emissões de CO² em dez anos. A geladeira fabricada atualmente no país consome 60% menos energia do que há uma década e cada automóvel usa 30% menos água no processo de produção. A sardinha enlatada brasileira é certificada internacionalmente em critérios da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) para preservação da biodiversidade marinha.
“Não foi fácil. O setor industrial trabalha de forma muito segmentada. Para chegar ao denominador comum e uma ideia geral dos impactos, criamos um termo de referência para as 16 organizações que representam 90% do PIB. Por um ano trabalhamos diretamente no monitoramento, por meio de relatórios sobre as ações e adequações das indústrias para uma engenharia mais sustentável”, explica o gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Schelley Carneiro.
Na avaliação de Carneiro, o argumento dos custos para utilização de fontes de energia renováveis nas empresas não pode ser impeditivo para avanços. “O custo de agora se torna um investimento de futuro. A conformidade ambiental, com adequação a lei, como única variável, deixando o resto da produção igual, afetará a produção. Mas, quando se aumenta o custo ambiental, há uma série de variáveis positivas, como o aumento do prestígio da marca com a sustentabilidade e a maior capacidade de inovação”, analisa.
Rio+20 poderá se traduzir na carta da ‘economia verde’
O principal produto da Rio+20 poderá ser a criação de um indicador econômico concorrente ao PIB, capaz de medir os níveis de bem-estar e qualidade de vida da população. “Hoje temos um PIB que deixa de fora estas questões. O IDH fala alguma coisa, mas não na sustentabilidade ambiental. Há um esforço muito grande para que a economia vede seja traduzida em índices de satisfação e qualidade de vida. Terá progresso isso daqui pra frente”, informa o gerente da CNI, Schelley Carneiro.
O novo PIB, na opinião do biólogo gaúcho Paulo Brack é mais uma ferramenta pensada dentro do mesmo modelo econômico, o que terá pouca contribuição ecológica. “Eu vejo com muita preocupação que no setor corporativo, esta onda da economia verde, que, pelo menos no Brasil, vem no sentido de facilitar licenciamentos ambientais para empresários. É isto que significa. Surgiram propostas de alguns empresários na Cúpula dos Povos que nos preocuparam”, disse.
De acordo com Brack, a CNI propôs licenciamentos de forma propulsória, beneficiando empresas que se adequarem à atitudes consideradas redução de impacto. “Elas ganhariam um selo verde. Nós, ambientalistas, vemos isto como mais um retrocesso. E, ouvindo outros colegas, vimos que as preocupações de outros países da América Latina são as mesmas. A empresa do Eike Bastista, por exemplo, está querendo abrir termoelétricas de carvão mineral no Chile. São as mais poluentes”, denuncia. E complementa: “Temos que defender os territórios e as culturas locais os interesses financeiros a qualquer custo. A lógica do crescimento e dos grandes empreendimentos ainda não está perto de ser modificada”.
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