O saneamento é um direito essencial garantido constitucionalmente no Brasil. Este reconhecimento legal é reflexo das profundas implicações desses serviços para a saúde pública e do ambiente à medida que sua carência pode influenciar de forma negativa campos como educação, trabalho, economia, biodiversidade, disponibilidade hídrica e outros. Para atingir a universalização do saneamento básico, ou seja, prover água e ligação a rede de esgoto em todos os domicílios brasileiros, o País precisa mais do que dobrar os investimentos em saneamento, serão precisos investimentos muito altos para universalizar esses serviços. Para falar sobre esse assunto o apresentador Paulo Bellardi conversa com o professor pesquisador EPSJV/Fiocruz, Alexandre Pessoa.
O cenário do saneamento básico – oferta de água limpa com coleta e tratamento de esgoto – no Brasil é de uma discrepância inaceitável. Sétima maior economia do planeta, o país ocupa a 112ª posição num ranking entre 200 nações avaliadas no Índice de Desenvolvimento do Saneamento. Na aferição mais recente, de 2011, esse indicador, que vai de zero a um, sendo um a situação ideal, nos pontuou com 0,581, desempenho que nos deixa distantes da média desejável de países da América do Norte e da Europa e abaixo de algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e de vizinhos da América Latina.
O indicador, que leva em consideração a cobertura por saneamento atual e sua evolução recente, reflete impactos negativos em áreas vitais para qualquer sociedade – saúde, educação, produtividade, geração de renda, qualidade ambiental e até no índice de felicidade das Nações Unidas. Em resumo, o saneamento interfere de forma direta e concreta nas três principais dimensões da sustentabilidade – econômica, social e ambiental.
Nosso passivo na área de saneamento é histórico. Há 50 anos, apenas uma em cada três moradias estava ligada à rede de coleta de esgoto ou à rede pluvial. Em relação ao destino do esgoto coletado, a situação era ainda mais dramática: apenas 5% dos efluentes líquidos recebiam algum tipo de tratamento. O restante era despejado diretamente no meio ambiente. Evoluímos de lá para cá, mas em ritmo lento, quando comparamos com a expansão econômica do país, o salto no número de habitantes e a excessiva concentração demográfica nos perímetros urbanos. Hoje, 55% das moradias estão cobertas com rede coletora, mas apenas 37,5% do esgoto é tratado. Também não conseguimos ainda universalizar a rede de água: 17,6% dos brasileiros não contam com esse serviço.
Com água e esgoto para todos haveria redução de 23% no número de faltas ao trabalho e de R$ 258 milhões nos custos.
As consequências negativas do quadro atual do
saneamento para a sociedade brasileira são detectadas em múltiplas áreas. Ajudam a explicar, por exemplo, nossos índices tão ruins nos indicadores de saúde pública, perdendo comparativamente para países de economias bem mais modestas. Tanto na taxa de mortalidade infantil, que é de 12,9 mortes por 1.000 nascidos vivos, quanto na expectativa de vida, 73,3 anos, estamos em situação inferior à de países latino-americanos como Argentina, Chile e Cuba.
O Instituto Trata Brasil e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) concluíram recentemente o estudo “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro”, no qual comparam os dados reais extraídos dos órgãos oficiais brasileiros em diversas áreas com um cenário hipotético (e almejado) de um Brasil com déficit zero de saneamento básico. No fim das contas, o estudo revela que o custo para alcançarmos este patamar ideal seria de R$ 312,2 bilhões em valores de hoje.
Em 2013, de acordo com o DataSus, do Ministério da Saúde, foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais, das quais 50% eram crianças e adolescentes de até 14 anos. Caso o país tivesse universalizado o saneamento, o número de internações cairia para 266 mil, o volume de despesa do Sistema Único de Saúde seria reduzido em R$ 27,3 milhões com as internações e teríamos uma queda de 15,5% no número de mortes de pacientes internados.
Os impactos desse problema na educação são da mesma forma evidentes. Estudantes que residem em áreas sem saneamento têm maior atraso escolar em relação aos colegas que vivem em bairros saneados. Com a universalização do acesso ao saneamento, haveria uma redução de 6,8% do atraso escolar, melhorando assim o nível da escolaridade média com efeitos positivos de longo prazo, tanto para estudantes na vida adulta quanto para a sociedade.
A produtividade do país também é bastante afetada. Em 2012, houve uma perda estimada de 849,5 mil dias de trabalho por afastamento causado por diarreia ou vômito. O custo desse abstencionismo foi de R$ 1,11 bilhão em horas pagas e não trabalhadas. A universalização dos serviços de água e esgoto reduziria o número de faltas em 23% e os custos em R$ 258 milhões.
O descompasso entre os que têm acesso ao saneamento e os excluídos desse serviço leva a uma defasagem salarial entre os dois grupos. Trabalhadores sem acesso ao saneamento ganham em média ao longo da carreira 10% menos do que os colegas da mesma faixa hierárquica, reflexo de uma formação escolar mais frágil, no passado, e de problemas de saúde no presente. Com a universalização do serviço de água e esgoto, haveria uma elevação de 6,1% na massa de salários do país (hoje em torno de R$ 1,7 trilhão), possibilitando um crescimento da folha de pagamentos de R$ 105,5 bilhões por ano.
Os impactos econômicos e sociais podem ser observados ainda no mercado imobiliário e no turismo, duas atividades intrinsecamente ligadas à infraestrutura e qualidade ambiental. Há por exemplo uma diferença de 13,6% entre o valor de dois imóveis – um com e outro sem acesso ao saneamento. Com a universalização, a valorização dos imóveis chegaria a R$ 178,3 bilhões e incidiria, como consequência, no aumento da arrecadação de impostos, como IPTU e ITBI, calculado em valores de hoje em R$ 1,02 bilhão por ano.
No turismo, estima-se que a universalização criaria quase 500 mil postos de trabalho, entre colocações em hotéis, pousadas, restaurantes, agências de turismo, empresas de transportes de passageiros etc. A renda gerada com essas atividades alcançaria R$ 7,2 bilhões por ano em salários e um crescimento de PIB de mais de R$ 12 bilhões para o país. Hoje, nossa taxa de fluxo de turistas estrangeiros é de 27 visitantes por mil habitantes, desempenho muito abaixo de alguns de nossos vizinhos mais bem atendidos por saneamento, como Cuba (238 turistas por mil habitantes), Chile (176) e Argentina (139).
As projeções feitas para um cenário ideal nos levam a constatar o tamanho do nosso passivo, mas indicam que é possível vencer o desafio de universalizar o saneamento no país. Se somarmos os benefícios financeiros demonstrados no estudo, aliados aos ganhos tangíveis e intangíveis nas dimensões social e ambiental, chegaremos à conclusão que esses ganhos superam amplamente o valor necessário para alcançar a universalização desses serviços.
Uma bem estruturada aliança entre governos, empresas e sociedade civil é o melhor caminho para adequar a nossa infraestrutura ao tamanho e pujança do Brasil, além de, e principalmente, possibilitar condições mais dignas de vida aos brasileiros.
Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável)
Édison Carlos é presidente do Instituto Trata Brasil
Desafios para a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil
Challenges for providing universal access to water and sewer services in Brazil
Alceu Castro Galvão Junior*
Agência Reguladora do Ceará, Fortaleza (CE), Brasil
O desenvolvimento sustentável de um país deve ser caracterizado pelo crescimento econômico de baixo impacto ao meio ambiente, mas depende também de políticas públicas eficazes com vistas a soluções de desigualdades de ordem econômicas e sociais, dentre as quais, os direitos fundamentais à vida, à saúde e a habitação.
O saneamento é um direito essencial garantido constitucionalmente no Brasil. Este reconhecimento legal é reflexo das profundas implicações desses serviços para a saúde pública e do ambiente à medida que sua carência pode influenciar de forma negativa campos como educação, trabalho, economia, biodiversidade, disponibilidade hídrica e outros.
Entretanto, a realidade traduzida em um déficit de rede coletora de esgotos de 40,9% (PNAD, 2009) revela o atraso da agenda nacional em saneamento. Apesar de o Brasil possui hoje o 10º maior Produto Interno Bruto do mundo, está em 70ª posição com relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em um terceiro ranking, o de pessoas sem acesso a banheiro, divulgado pela UNICEF e OMS, o país, que sediará a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, aparece em 9º lugar, com uma fatia de 13 milhões de brasileiros que se quer tem banheiro em casa.
Um estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil em Maio sobre a prestação de serviços de água e esgoto nas 81 maiores cidades brasileiras, com mais de 300 mil habitantes, releva que, apesar do avanço de 4,5% no atendimento de coleta de esgoto e de 14,1% no tratamento de esgoto entre 2003 e 2008, ainda estamos longe de poder comemorar. Todos os dias são despejados no meio ambiente 5,9 bilhões de litros de esgoto sem tratamento algum, gerados nessas cidades, contaminando solos, rios, mananciais e praias, com impactos diretos na saúde da população. Se traduzirmos em números, as 81 cidades representam 72 milhões de habitantes, que consomem, em média, 129 litros de água por dia, sendo que 80% da água consumida se transforma em esgoto, e apenas 36% desse esgoto recebe tratamento adequado.
Além dos impactos ambientais citados acima, o Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vem, desde o seu nascimento, realizando diversas pesquisas que comprovam que a falta de saneamento impacta de forma negativa os indicadores sociais e a economia, afetando principalmente as crianças.
De acordo com a pesquisa “A falta que o saneamento faz”, encomendada pelo Instituto Trata Brasil a FGV, crianças que vivem ou estudam em áreas sem acesso aos serviços de saneamento básico tem redução de 18% no aproveitamento escolar. A pesquisa também revela que as principais vítimas da falta de saneamento são as crianças na faixa etária entre 1 e 6 anos, com probabilidade 32% maior de morrerem por doenças relacionadas a falta de acesso a esgoto coletado e tratado de forma adequada.
Outra pesquisa encomendada pelo Instituto Trata Brasil a FGV, “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro”, divulgada recentemente, comprova que a implantação de rede de esgoto reflete positivamente na saúde e na qualidade de vida do trabalhador gerando o aumento da sua produtividade e renda. A pesquisa revelou que, por ano, 217 mil trabalhadores precisam se afastar de suas atividades devido a problemas gastrintestinais ligados a falta de saneamento. A cada afastamento, perde-se 17 horas de trabalho em média. A probabilidade de uma pessoa com acesso a rede de esgoto faltar as suas atividades por diarréia é 19,2% menor que uma pessoa que não tem acesso a rede. Considerando o valor médio da hora de trabalho do País de R$5,70 e apenas os afastamentos provocados pela falta de saneamento básico, os custos chegam a R$ 238 milhões por ano em horas pagas e não trabalhadas.
Por outro lado, ao ter acesso à rede de esgoto, um trabalhador aumenta a sua produtividade em 13,3%, permitindo assim o crescimento de sua renda na mesma proporção. A estimativa é que a massa de salários, que hoje gira em torno de R$ 1,1 trilhão, se eleve em 3,8% , provocando um aumento na renda de R$ 41,5 bilhões.
O estudo também apurou que em 2009, de acordo com o DATASUS, dos 462 mil pacientes internados por infecções gastrintestinais, 2.101 faleceram no hospital. Cada internação custa, em média, R$ 350,00. Com a universalização da rede de esgoto, seria possível obter uma economia de R$ 745 milhões em internações ao longo dos anos. Com o acesso universal ao saneamento, haveria uma redução de 25% no número de internações e de 65% na mortalidade, ou seja, 1.277 vidas seriam salvas.
Os números apresentados acima deflagram a gravidade da situação atual do Brasil. Serviço absolutamente essencial, a coleta e o tratamento de esgoto têm sido deixados de lado por sucessivos governos. Em que pese os avanços, como o advento do Marco Regulatório do setor, a criação do Ministério das Cidades em 2003, as Parcerias Público-Privadas e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o País continua patinando e precisa investir muito mais para diminuir os déficits e garantir qualidade de vida e saúde a população.
Para atingir a universalização do saneamento básico, ou seja, prover água e ligação a rede de esgoto em todos os domicílios brasileiros, o País precisa mais do que dobrar os investimentos em saneamento. Segundo dados do setor, para universalizar os serviços, seriam necessários investimentos de R$ 270 bilhões. Considerando os valores do PAC, destinados ao saneamento no período de 2007 a 2010, de R$ 40 bilhões, seriam necessários pelo menos 7 PAC´s para alcançarmos essa meta. Ou seja, 7 governos priorizando os investimentos em saneamento.
A necessidade de priorização dos investimentos em saneamento foi reconhecida recentemente pelos coordenadores de campanha dos três principais candidatos a presidência. Xico Graziano, coordenador da campanha de José Serra, foi enfático ao afirmar, durante debate realizado pelo Instituto Trata Brasil, que esta é a década do saneamento. Durante o debate, foi consenso entre Graziano, José Eduardo Cardozo, coordenador de campanha de Dilma Rousseff, e João Paulo Capobianco, coordenador de campanha de Marina Silva, a necessidade de se incentivar e ampliar os investimentos em saneamento no País. Os coordenadores de campanha assumiram que seus candidatos têm clareza de que seus governos irão priorizar essa agenda.
Através de seu projeto “De Olho no PAC”, em que acompanha e monitora o status das obras do PAC Saneamento nas cidades com mais de 500 mil habitantes, o Instituto Trata Brasil identificou os principais entraves do setor. Visando contribuir para a redução das dificuldades e barreiras em todas as obras de saneamento do País, o Instituto Trata Brasil preparou um documento com sugestões de ações para que os entraves sejam vencidos ou minimizados e os apresentou formalmente ao Senado e a Câmara.
Esse documento nos ajuda a entender o porquê de a universalização do saneamento ser uma meta tão difícil de ser alcançada. Entre os principais entraves do setor apresentados neste documento do Instituto Trata Brasil merecem ser destacados: a implementação da Lei 11.445/07 com ênfase para a execução dos planos municipais de saneamento; investimentos e recursos insuficientes, com conseqüente estagnação, atrasos, prestação de serviço inadequada e não cumprimento de metas; a dependência de recursos federais, com a conseqüente ampliação dos prazos para se alcançar a universalização; os procedimentos para acesso aos recursos e execução dos empreendimentos, com conseqüente aumento dos custos e atrasos no inicio e na realização das obras; os projetos com viés políticos lançados sem o devido preparo; divisão de competências e pulverização de ações e recursos; os projetos de engenharia desatualizados, imprecisos e mal estruturados; desinformação sobre a importância do saneamento; o desinteresse e desconhecimento da legislação por parte dos titulares dos serviços; e o despreparo dos operadores, e principalmente dos municípios, para acessar os recursos devido a falta de capacidade de endividamento e incapacidade de atendimento aos procedimentos excessivamente burocráticos dos agentes financeiros. Saneamento é investimento e não despesa como provam as pesquisas divulgadas pelo Trata Brasil.
Diante de todos os pontos expostos acima, não há como negar que o País ainda não alcançou a universalização do saneamento por falta de vontade política e má gestão. Pesquisas estão sendo divulgadas regularmente para comprovar que o investimento em saneamento é uma ação de prevenção. Ao investir em saneamento, estamos economizando em saúde, preservando o meio ambiente, aumentando a qualidade de vida de nossos cidadãos, melhorando a educação de nossas crianças, sem contar no inegável legado que deixaremos para as próximas gerações.
Os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, divulgada recentemente pelo IBGE, mais do que comprovam que o saneamento foi deixado de lado pelos últimos governos: a sociedade hoje conta com mais acesso a tecnologia que a rede coletora de esgotos. Dado o contraste dos indicadores do setor de saneamento com os demais (rede elétrica, telefonia, internet, entre outros), cabe ao próximo governo priorizar o saneamento básico e promover todas as alternativas de investimentos previstas na legislação para prover esses serviços básicos para a população. E cabe, a sociedade civil, exercer a sua cidadania e exigir, cobrar e acompanhar de perto os investimentos em saneamento básico.
* Carlos Tieghi é presidente do Conselho do Instituto Trata Brasil
http://abconsindcon.com.br/opiniao/impacto-da-universalizacao-do-saneamento-basico/
http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1020-49892009000600012
On-line version ISSN 1680-5348Print version ISSN 1020-4989
Rev Panam Salud Publica vol.25 n.6 Washington Jun. 2009
http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892009000600012
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