Crianças passam de ano sem, saber
ler e escrever.
Educação vive drama no Brasil e prepara maus profissionais.
Aos 8 anos, João terminou a
alfabetização em uma escola pública. Passou de ano,
mas, ao contrário do que se
esperava, só conseguia ler bem textos curtos, não sabia escrever e a matemática
era um problema gigante. João cresceu e seguiu estudando, passando de ano,
apesar de um ou outro percalço. Prestes a entrar no mercado de trabalho, o
agora rapaz teve uma surpresa: foi reprovado na sua primeira entrevista de
emprego. O motivo: problemas de leitura, escrita e matemática, que poderiam ter
sido resolvidos ou nem existir se tivesse uma alfabetização melhor.
(Imagem: google).
João é um personagem
fictício, mas representa milhões de crianças que saem da alfabetização sem
aprender a ler, escrever ou calcular adequadamente.
Segundo dados de 2014 da
Avaliação Nacional da Alfabetização, do MEC, 22% dos alunos de 8 anos não
sabiam ler adequadamente, 35% não sabiam escrever e 57% não sabiam o básico de
matemática. Crianças que levam para suas trajetórias escolar e profissional o
problema silencioso da educação brasileira.
Para a doutora
em educação e professora da Ufes Cleonara Schwartz, é preciso entender que
alfabetizar não é só ensinar a decodificar um texto. Ela defende que a escola
forme leitores críticos e que entendam que o que se está lendo não serve apenas
para passar de ano. “Esse não vai ser um jovem que vai se contentar com o
texto. Vai ser capaz de contrapor, criticar, entender melhor, de ir além do que
está sendo oferecido”, diz.
Cleonara
ressalta que muitas vezes o aluno acaba passando de ano porque consegue
“captar” o que é preciso para passar nas provas. “Se a escola cobra que ele aja
assim ou assado, o aluno vai passar porque ele é esperto. Ele passa, mas lá
fora ele não consegue porque a coisa muda de figura”, diz.
Sem “decoreba”
O professor
doutor Ítalo Curcio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo,
aponta uma questão semelhante em matemática. “A matemática nesse nível é uma
linguagem. A memorização de técnicas pode funcionar com um ou outro, mas não
está sendo condicionado a assimilar o conceito. Ele sabe que 3 vezes 2 é 6, mas
não que isso é o mesmo que dois feijões, mais dois feijões, mais dois feijões”,
diz.
Infográfico Educação
Foto: A Gazeta
A
coordenadora-geral do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco,
destaca que um olhar mais detalhado sobre os dados traz outra constatação
preocupante: “A desigualdade social já está presente nesse momento. Quando a
criança é pobre, negra... Só reduzindo a desigualdade que a gente vai conseguir
ter um desempenho melhor como país e conseguir melhorar outros indicadores. O
crescimento econômico é altamente dependente da educação”, frisa.
Consequências
Para a mestre
em educação e comentarista da Rede CBN, Ilona Becskeházy, a preocupação com a
educação é invisível no dia a dia diante das urgências que se têm na sociedade,
como a crise econômica.
“A gente já
sente as consequências de uma educação de péssima qualidade em várias coisas,
como com o desalento dos jovens, a baixa produtividade da mão de obra
brasileira e o desemprego entre os jovens – que mesmo quando a gente estava em
um período de crescimento tinha 25% dos jovens que nem estudavam e nem trabalhavam.
A geração nem nem vem disso, de você não saber o que fazer com os seus dotes
mentais”, ressalta.
“Isso faz com
que a gente sofra em vários sentidos, na economia, nas relações humanas. Na
capacidade de produção e de escolha profissional dos brasileiros. Há os que
chegam na faculdade assim”, completa Ilona.
Alejandra
Meraz Velasco, revela que uma pesquisa realizada pelo Todos Pela Educação – que
ouviu jovens acima da média no Enem, além de professores de ensino superior e
empregadores desses jovens – constatou que muitas das habilidades que faltam a
eles foram abordadas no ensino fundamental, como a capacidade de escrever para
diferentes públicos com vários objetivos, a capacidade de comunicação e outros
assuntos.
Secretário: “Escola de hoje já não dá conta”
“Do jeito que
a escola funciona hoje ela não dá conta. É preciso mudar a organização da
escola, e isso começa pelo currículo”. É o que defende o secretário de Estado
da Educação Haroldo Rocha.
Ele destaca
que, num passado recente, a preocupação do Brasil era construir escolas para
atender a todos. Hoje deve ser com a qualidade do ensino. Citando exemplos como
o programa Escola Viva, do governo do Estado, ele destaca que o começo dessa
reorganização deve ser feito pelo currículo.
O secretário
frisa que o Estado implantou o programa Sedu Digital que inclui uma plataforma
com videoaulas, apresentações e jogos educativos, entre outras atividades. Para
ele, isso torna o aprendizado mais agradável.
“A tendência
da escola é evoluir nesse sentido. Antes o professor dava a aula e passava uma
pesquisa. Hoje, temos plataformas que juntam o conteúdo que faz sentido, ou
seja, o realmente útil para o aluno, e o alinham. Também criam planos de
estudos personalizados. A ideia é que com uma orientação básica o menino estude
e debata na escola o que pesquisou. Isso muda a organização da sala de aula.
Essa é a visão da escola do futuro. A sala de aula invertida”, diz.
Sobre a
alfabetização, Haroldo destacou o Plano Nacional de Alfabetização na Idade
Certa, que também é aplicado no Estado. “É um programa de material didático
adequado, formação intensiva de professores pelos próprios professores e um
regramento da escola de como as coisas têm que funcionar, e os meninos
aprendem. Não demanda gigantescos investimentos. É um jeito de trabalhar com
materiais adequados e professores treinados para isso”.
Professor deve conhecer como é a família do aluno,
diz especialista
Para ter
melhores resultados na alfabetização e também nas outras etapas do ensino, o
professor deve conhecer o perfil dos seus alunos e, se possível, também o da
família deles. É o que diz o doutor em educação e professor da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Curcio.
“Talvez por
falta de preparo, alguns professores pecam em elementos básicos. Não conhecer o
perfil dos alunos, por exemplo. Primeiro de tudo, ele tem que conhecer. É uma
estratégia. Se possível ter informações também do perfil familiar e aplicar uma
avaliação diagnóstica para saber com que tipo de aluno ele vai trabalhar, de
que forma ele deve receber o conteúdo”, explica.
Segundo
Curcio, isso traz vantagens, entre elas a de saber que vocabulário e exemplos o
educador pode usar. “O professor não deve usar vocabulário chulo, que
escandalize a classe, mas tem que ser popular para que o aluno o entenda”,
detalha.
Ele diz que é
preciso adotar também aulas experimentais e dinâmicas de grupo. “Não pode ficar
na teoria e o aluno ficar memorizando. Mesmo a criança quer saber para o que
que serve”.
Para Curcio,
um dos problemas que existe na educação é a falta de capacitação constante do
professor. “Infelizmente nas redes públicas, a maioria tem carga elevada de
aula. Tem pouco tempo para se atualizar. O professor parou no tempo. Saiu da
universidade, não se atualiza mais. Imagina um médico que se formou e não se
atualiza?”, compara o professor universitário.
Na avaliação
de Curcio, é preciso saber o quanto o professor pode contar com a família. Ele
elogiou atividades como as do projeto “Mala Viajante”, da Escola Laranjeiras,
mas disse que é preciso contar com os pais.
“Algumas
escolas aqui em São Paulo fazem reunião de pais no final de semana. Algumas
oferecem inclusive EJA (Educação de Jovens e Adultos) e, aí, pais que não eram
escolarizados, voltam a estudar”, destaca.
Formação
Na avaliação
da mestre em educação e comentarista da CBN Ilona Becskeházy, é preciso exigir
mais dos cursos que formam professores no Brasil. Para ela é necessário tomar
uma decisão política importante depois da aprovação da Base Nacional Comum
Curricular.
“Temos que
fazer uma nova diretriz na formação de professores. Temos que reestruturá-la
por completo. Os instrumentos de repasse de verba, como o Fies e o Prouni,
devem ser usados para apertar as universidades privadas para que formem
profissionais excelentes. Além disso, não pode deixar mais espaço no mercado
para existir curso noturno. Se for necessário dar bolsa para as pessoas
estudarem para serem professores, vamos fazer esse investimento”, defende.
“É uma decisão política, econômica e técnica. O
professor vai ser formado lendo muito, escrevendo muito, acabando com a
educação básica de má qualidade que ele teve até que a educação básica seja de
boa qualidade”, completa.
http://www.gazetaonline.com.br/noticias/cidades/2016/06/criancas-passam-de-ano-sem-saber-ler-e-escrever-1013951504.html
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